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Leonardo Sakamoto

"Meu filho recebeu 11 tiros. Um, na nuca, arrancou seu maxilar"

Leonardo Sakamoto

29/02/2016 18h04

A chacina de Costa Barros, quando cinco jovens foram executados por policiais militares, está completando três meses. O carro onde estavam Wesley (25), Wilton (20), Cleiton (18), Roberto (16) e Carlos Eduardo (16) foi metralhado, na madrugada entre 28 e 29 de novembro do ano passado, na zona norte do Rio de Janeiro, por policiais – que ainda tentaram plantar uma arma a fim de justificar o crime. Ao todo, teriam sido 111 disparos. Alguns dos rapazes ficaram deformados devido à quantidade de projéteis.

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Carro em que estavam cinco jovens mortos em Costa Barros, zona norte do Rio (Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo)

"Uma semana antes de ser morto, ele me deu um abraço, falou que eu ia ter muito orgulho dele, que ele seria um grande oficial da marinha", lembra Carlos Henrique do Carmo Souza, 34 anos, pai de Carlos Eduardo.

Ele conta que sua ex-esposa, emocionada durante o velório, abraçou o rapaz dentro do caixão, acreditando que ele estaria apenas dormindo. Puxada pelos presentes, acabou erguendo o corpo do filho e percebeu que estava sem o maxilar. Chamou Carlos Henrique de mentiroso, porque ele tinha dito que Carlos Eduardo morrera com um tiro na nuca e "apagou como um passarinho".

"Não tive coragem de contar tudo para ela. Ele ficou todo destruído."

Carlos Henrique carrega as fotos dos rapazes mortos em seu táxi para que não sejam esquecidos. Ele acredita que, além do despreparo e da burrice dos policiais envolvidos, houve racismo no crime. Todos os jovens eram negros.

Abaixo, estão trechos da entrevista que ele me concedeu no Rio de Janeiro, durante o lançamento do novo relatório mundial da Anistia Internacional.

Enquanto o Congresso Nacional aprova uma lei antiterrorismo, proposta pelo governo federal, as grandes capitais brasileiras seguem adotando o terrorismo de Estado contra sua própria população. Dessa forma, vamos nos afastando das mudanças estruturais para garantir paz – que incluem um Estado que pense em qualidade de vida para todos, uma polícia que não esteja em guerra contra seu próprio povo e que seja punida em caso de desvios e um horizonte de opções para os mais jovens que saem em busca de um lugar no mundo.

Por fim, boa parte dos policiais envolvidos nesses momentos são da mesma classe social dos moradores. Ou seja, é pobre (mal remunerado, mal treinado, maltratado) matando pobre enquanto quem manda ou lucra de verdade com todo o circo está em outro lugar.

Ninguém passa atirando a esmo em um carro no Leblon ou em Moema. Por que isso ocorre em Costa Barros, na Zona Norte do Rio? Porque lá a vida vale menos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.