Topo

Leonardo Sakamoto

Você realmente acha que sua causa é a mais importante do mundo?

Leonardo Sakamoto

01/03/2016 20h31

Adoro as pessoas que atacam outras que resolvem defender uma causa diferente da sua. Por exemplo, se você toma para a sua vida a defesa do direito de morder tampas de canetas esferográficas azuis, há sempre alguém pronto para te atacar e dizer que este é um ato egoísta, prepotente e arrogante. Afinal, todos sabem que a causa mais importante é a defesa do fim do preconceito de usar desodorante a base de bacon.

Quanto mais você pondera, que toda causa é importante, é taxado de burguês que empaca a revolução ou enviado à Cuba.

Mobilidade urbana? E os direitos dos povos indígenas?

Direitos indígenas? E os sem-teto ?

Sem-teto? Esqueceu dos sem-terra porque lhe convém, né?

Sem-terra? Mas sem meio ambiente não há nada!

Meio ambiente? Esqueceu dos direitos das mulheres?

Feminismo? Esqueceu do trabalho infantil?

Trabalho infantil? E a nossa sociedade respeita os mais velhos?

Direitos dos idosos? E a legalização da maconha?

Legalização da maconha? (Maconheiro!) E as parturientes?

Parto humanizado? E os direitos LGBTTQA?

Vai ficar discutindo identidade, gênero e afins e esquecer da herança da ditadura?

Ditadura? E os impactos causados pelas Olimpíadas?

Impactos das Olimpíadas? Você se acha melhor do que as outras espécies?

Vegetarianismo? E a violência policial, pô?

Violência policial? Sem educação, não há solução.

Educação de quem? Negros no Brasil são ignorados em seus direitos.

Movimento negro? Não, a questão da liberdade de expressão engloba tudo.

Liberdade de expressão? E meu direito à mobilidade urbana?

Detesto discussões fratricidas. De um falso antagonismo e uma competição mais falsa ainda, que não nos levam a nenhum lugar.

Algumas pessoas não param para refletir que tudo isso faz parte do mesmo pacote de direitos fundamentais e que podemos atuar em algumas frentes e apoiar muitas outras. Mas defender uma delas, que nos comove em especial, não significa ignorar as demais.

E se temos algumas pessoas abnegadas que adotam, por vezes, um comportamento de patrulha, por outro lado também contamos com gente que não move uma palha, mas faz questão de questionar o comportamento dos outros. Tentam compensar seu imobilismo através das ações de outras pessoas. Esse tipo de parasitismo social dá paúra no estômago.

Ao mesmo tempo, apoiar uma causa não significa necessariamente se transformar em um papagaio monotemático e obsessivo e tratar do mesmo assunto a todo momento. No café da manhã, no almoço, no trabalho, no cinema, no sexo…

– Gozou? Então bora discutir sobre o direitos das morsas.

A vida é complexa e plural, tem espaço e momento para falar de muitas coisas diferentes.

Ou não falar de nada sério. Ou mesmo de absolutamente nada. Porque ninguém é de ferro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.