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Leonardo Sakamoto

Nota mental importante: Pensar diferente não faz de alguém seu inimigo

Leonardo Sakamoto

04/03/2016 12h40

Política é bom e é sensacional que as pessoas estejam vivendo, fazendo e respirando política.

Mas achei por bem resgatar esta discussão porque a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal inflamou as redes sociais, de um lado e de outro, gerando uma escalada de violência que começa a vazar para a rua e tem tudo para tornar mais turvas ainda as relações sociais neste período turbulento do país

Fazer política significa também estômago forte e alma tranquila, considerando que está em jogo a forma pela qual achamos que o país deve ser conduzido.

Ou seja, em tese, o seu interlocutor – seja ele um avatar estranho teclando loucamente em uma rede social ou o seu melhor amigo lançando perdigotos em um debate acalorado – não é seu inimigo.

Ele está no mesmo barco e, também em tese, compartilha com você um mesmo objetivo comum: uma vida melhor.

Enfim, manter um mínimo de civilidade é importante, como sempre lembro por aqui. Até porque o país continua depois que campanhas eleitorais terminam e que grandes investigações de corrupção são finalizadas. O mundo não começou ontem, muito menos acaba amanhã.

Há pessoas que parecem não aceitar serem questionadas. Talvez para afastar os medos e inseguranças sobre suas próprias crenças. E há outras que acham que exercer sua cidadania é xingar ou difamar alguém. Talvez porque aceitem tudo o que é dito a elas sem refletir ou fazer um exercício básico de lógica.

Acreditamos que nossos pontos de vista estão corretos. E defendemos eles de corpo e alma. Mas isso não os faz únicos. Uma outra pessoa pode defender que a forma mais correta de acabar com a fome, a violência, as guerras, a injustiça seja por outro caminho.

Já encontrei respostas para indagações pessoais em pessoas que escrevem sob um ponto de vista totalmente diferente do meu. E, creio, que o mesmo já aconteceu para muita gente.

Desse enfrentamento de ideias e de propostas sairá um vetor resultante que apontará para uma direção, dependendo da correlação de forças envolvidas, dos atores dedicados a isso, da aceitação dessas propostas pelo restante de uma sociedade. E não da vontade de um pequeno grupo.

Eu sei que é duro acreditar nisso neste momento. E, pior: com as redes sociais distribuindo granadas à população para que entre em uma guerra fratricida.

Mas vamos discutir os argumentos que embasam as diferentes posições e não chamar o outro de canalha ou burro, esquerdista idiota ou direita fascista, e travar por aí a discussão.

A saída para contrapor uma voz não é um xingamento, mas sim outra voz.

Discordo o que defendem vários colegas de profissão, mas não quero que eles sejam atacados.

Pelo contrário, desejo que se fortaleçam, bem como as vozes dissonantes a eles, de forma a contemplar devidamente o espectro ideológico, garantindo ponto e contraponto, peso e contrapeso à democracia.

Discordo, mas defendo o direito de que seja dito. Lembrando, contudo, que os discursos que incitarem a violência a terceiros, indo contra o que está determinado pela Constituição, terão que responder legalmente após serem ditos. Nunca antes, pois isso seria censura.

Muitos simplesmente repetem mantras que leem na internet, ouvem em bares ou veem na igreja, desde que concordem com aquilo, sem parar para pensar se aquilo é verdade ou não. Ou seja, desde que isso sirva na sua matriz de intepretação do mundo, retuita-se, compartilha-se, curte-se.

É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza técnica de desumanização, tornando esse outro uma coisa sem sentimentos.

É mais fácil pensar de forma binária, preto no branco, os de lá, os de cá. "Ah, mas você faz isso!" Todos nós em alguma medida fazemos, infelizmente. Mas é como percebemos isso e atuamos para mudar nossas atitudes que realmente conta. Afinal, ninguém nasce pronto.

Pois, caso contrário, a vida vai ficando mais pobre, paramos de evoluir como humanidade. Do outro lado sempre estará um monstro e do lado de cá os santos. Isso sem contar a impossibilidade de apreciar tudo o que o outro tem de melhor – do ombro amigo à conversa inflamada em uma mesa de bar.

Sugiro que busquem a tolerância no diálogo, mesmo que firme e duro, e se perguntem, a todo o momento, se as informações que usam são confiáveis e fazem sentido, uma vez que nossa natureza não é de certezas e sim de dúvidas e falhas que só poderão ser melhor percebidas no tempo histórico.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.