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Leonardo Sakamoto

A "caça às bruxas" brasileira será mais difícil do que muitos pensaram

Leonardo Sakamoto

18/03/2016 22h17

Pelo menos dois grupos dividiam o mesmo espaço na manifestação, nesta sexta (18), na avenida Paulista, em São Paulo: os que apoiavam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. E aqueles que não os apoiavam ou, pelo contrário, são críticos a eles, mas acreditam que tanto o impeachment quanto uma prisão de Lula não se sustentam com os elementos postos à mesa e significam uma esvaziamento das instituições democráticas.

Contudo, chamou a atenção os comentários de alívio entre os presentes que se consideram ideologicamente à esquerda ao constatarem, através dos milhares que estavam na Paulista, que não estavam sozinhos.

O Datafolha cravou 95 mil pessoas e os organizadores 500 mil mas, claro, nem todos que lá estavam se consideram à esquerda no espectro político. Aliás, se o próprio PT fosse capaz de uma autocrítica real, também não se consideraria mais um partido de esquerda.

"Eu estava com medo de usar vermelho." Uma estudante brincou com a colega, pois ambas vestiam camisetas dessa cor. Um rapaz comentou com seu amigo que finalmente, podia usar um boné vermelho de um movimento social sem o risco de apanhar. Referiam-se às histórias que circularam nas redes sociais e na imprensa de pessoas que foram assediadas ou espancadas por usarem a cor "errada" para estes tempos.

Quando a escolha da cor deixa de ser uma questão estética e passa a ser de garantia de integridade física e psicológica, algo está muito errado em um país.

Quando convicções políticas ou ideológicas acabam sendo escondidas por medo de retaliação violenta por parte de desconhecidos ou, pior, de amigos, algo está muito errado em um país.

Quando crianças mimetizam o comportamento de seus pais e isolam amiguinhos porque os pais deles votaram em um candidato diferente do de seus nas últimas eleições, algo está muito errado em um país.

Não sei o quanto as manifestações que aconteceram em todo o pelo país, nesta sexta, terão poder de influenciar no processo de impeachment. Até porque isso vai depender de cálculos políticos complexos, correlação de forças, influência da mídia e de quanto governo e oposição estarão dispostos a prometer a deputados e senadores para garantirem seu voto neste grande balcão de negócios chamado Congresso Nacional.

Mas, certamente, reconectaram e empoderaram muita gente que se considera à esquerda e andava acreditando que eram os últimos da espécie tendo que, por questão de sobrevivência, permanecerem escondidos sob o risco de serem extintos. Afinal, a esquerda brasileira, mesmo aquela que não tem nada a ver com os pecados do partido do governo, tem sido sistematicamente atacada e é vítima de calúnias e difamações.

A manifestação na avenida Paulista foi, claro, bem menor que a de domingo (13), pró-impeachment, mas significativa. Agora, a esquerda se mostra numerosa e barulhenta o suficiente para deixar claro que qualquer tentativa de imposição de uma caça às bruxas, de um macarthismo à brasileira, não vai ser tão fácil quanto alguns arautos da intolerância pensavam.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.