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Leonardo Sakamoto

Governo Temer ou Como transformar a CLT em confete e serpentina

Leonardo Sakamoto

16/04/2016 08h02

Passei os últimos anos criticando a forma como o governo Dilma Rousseff adotou um modelo de desenvolvimento predatório que, em nome de uma visão deturpada de progresso, passa o rolo compressor em cima dos que pouco têm, como comunidades tradicionais e minorias, deixando os ricos mais ricos ainda. Belo Monte, por exemplo, explorou, expulsou e escravizou gente simples e enriqueceu empreiteira. Bem, deem uma olhada no arquivo do blog e vão entender.

Já um governo Michel Temer, caso o impeachment ocorra, irá picotar parte da CLT até que se transforme em serpentina e confete de carnaval. A velocidade recorde com a qual isso deve ocorrer se deve à necessidade de pagamento às associações empresariais que ajudaram a colocá-lo lá. Ao mesmo tempo, ele deve usar as regras atuais da Previdência Social para acender sua churrasqueira no final de semana, sem que haja um debate decente na sociedade sobre as (necessárias) mudanças nessa área.

Ou seja, você, trabalhador e trabalhadora, acha que está no fundo do poço com essa crise em que esse governo ruim te meteu? Sabe de nada, inocente! No fundo de todo o poço tem sempre um alçapão.

A primeira coisa na fila da aprovação é o projeto de lei que amplia a terceirização legal no país (PL 4330/2004). Sob a justificativa de garantir direitos a uma parcela da sociedade que emite notas fiscais mensalmente para sobreviver, a porteira será aberta. Vai ser cada um por si e o sobrenatural por todos.

O projeto legaliza a contratação de prestadoras de serviços para executarem atividades-fim em uma empresa. Ou seja, de uma hora para outra, a empresa em que você trabalha pode sim dar um jeito para contratar empresas individuais, que deem notas fiscais, para fugir de impostos e tributos.

A título de exemplo pitoresco, uma funerária do Rio Grande do Norte chegou a ser condenada a pagar R$ 100 mil, a título de dano moral coletivo, por terceirizar de forma ilícita sua atividade-fim, ou seja, o transporte e sepultamento de corpos (ação civil pública nº 0210239-15.2013.5.21.0002). A empresa havia demitido os agentes funerários, que tiveram que abrir empresas individuais para continuar trabalhando para ela. Eles eram superexplorados e obrigados a comprar da funerária até o carro para transportar corpos.

E já que estamos em uma época em que patos amarelos se tornaram protagonistas, vamos usar patos para explicar:

Mais ou menos assim: Um consórcio contrata o Tio Patinhas para tocar um serviço, que subcontrata a Maga Patalógica, que subcontrata o Donald, que deixa tudo na mão de três pequenas empreiteiras do Zezinho, do Huguinho e do Luizinho. Às vezes, o Zezinho não tem as mínimas condições de assumir turmas de trabalhadores, mas conduz o barco mesmo assim. Aí, sob pressão de prazo e custos, aparecem bizarrices. Depois, quando tudo acontece, Donald, Patalógica, Tio Patinhas e o consórcio dizem que o problema não é com eles – afinal, eles não rabiscaram carteira de trabalho alguma. E aí, ninguém quer pagar o pato – literalmente. Ficam os trabalhadores a ver navios, como Patetas.

Casos famosos de flagrantes de trabalho escravo surgiram por problemas em fornecedores ou terceirizados, como Zara, Le Lis Blanc, MRV, entre tantos outros. O governo federal e o Ministério Público do Trabalho puderam responsabilizar essas grandes empresas pelo que aconteceu na outra ponta por conta de uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que garante a responsabilidade sobre os trabalhadores terceirizados na atividade-fim.

Aprovada a nova lei, os chamados "coopergatos" (cooperativas montadas para burlar impostos) e as pessoas-empresa (os conhecidos "PJs") devem se multiplicar e o nível de proteção do trabalhador cair. Setores como o têxtil, o de comunicações e o agronegócio têm atuado pela legalização da terceirização em qualquer atividade com pesados lobbies no Congresso Nacional.

"Ah, mas eu quero ser livre para fazer ser frila." Beleza, fique à vontade. Mas e quem tem um emprego fixo e quer alguma estabilidade e segurança, condições conquistadas a duras penas e presentes na Consolidação das Leis do Trabalho? A CLT pode e deve ser atualizada e desburocratizada, facilitando a vida de trabalhadores e empresários. Mas sem mexer nos direitos fundamentais, adquiridos na base de muito suor e sangue em mais de mais de um século de lutas trabalhistas.

De acordo com um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em média um trabalhador terceirizado trabalha três horas a mais por semana e ganha 27% menos que um empregado direto. No setor elétrico, por exemplo, a taxa de mortalidade de um funcionário de uma prestadora é 3,21 vezes superior ao de um trabalhador de uma empresa contratante.

Isso é o que vamos enfrentar no day after.

Seria o mesmo com Dilma? Há uma chance que sim, pois apesar de governar ao lado de banqueiros e empresários, o governo ainda foi minimamente poroso à pressão de trabalhadores e movimentos sociais, pois são sua base histórica e a quem ele recorreu na hora do desespero (a despeito do fato de ter ignorando suas pautas na maior parte do tempo). O problema é que, com Michel, certamente será. E rápido.

Portanto, independentemente de sua posição sobre o impeachment, seria razoável perguntar ao seu deputado se ele garante que tudo isso escrito aqui é mentira. E se promete renunciar caso de fato aconteça.

E se continuar achando que nada disso lhe diz respeito ou que a discussão sobre direito do trabalhador é coisa de comunista, faça-me um favor: não se sinta culpado quando seu filho ou filha perguntar, daqui a uns anos, algo do tipo "mãe, pai, o que é emprego?"

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.