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Leonardo Sakamoto

Não checar a data de um texto antes de compartilhá-lo leva ao inferno

Leonardo Sakamoto

24/04/2016 10h14

Um bebê panda, daqueles bem fofinhos, morre de desgosto na China toda vez que alguém compartilha uma notícia antiga como se fosse novidade que tivesse acabado de acontecer e, começando com um "Tá vendo!", usa o texto como argumento decisivo de uma discussão nas redes sociais. Afinal, aquele fato quentinho comprova sua tese.

Tá vendo o que, meu amigo, minha amiga? Que você compartilha notícia sem ler? Eu, particularmente, não teria orgulho algum de mostrar que estou na escala evolutiva junto aos musgos e demais seres passivos da natureza. Ou, pior, ao lado de vírus, que se espalham rapidamente e não fazem bem a ninguém.

Daí, algum iluminado avisa nos comentários – "Olha, notícia antiga" – só para ser, na maioria das vezes, ignorado ou chamado de coxinha ou petralha a depender do público. Até porque, em terra de cego, quem tem olho morre linchado.

Alguns até tentam se explicar dizendo que o assunto é "super atual". Sim, claro, política como assunto amplo está em alta desde que os atenienses se juntavam na colina da Pnyx para fazer assembleias há mais de 2500 anos…

Reconhecer a falha? Para quê? Como diria o filósofo Jean Claude Van Damme: retroceder nunca, render-se jamais. Mesmo diante do indefensável.

Uma notícia fora de seu contexto e do momento que ocorreu pode dizer outra coisa totalmente diferente. Pois o significado de algo depende das relações que aquela informação estabelece com seu tempo e seu lugar. E como vivemos uma época em que contextos mudam muito rápido, precisamos ter cuidado e nos atentarmos se estamos consumindo conteúdo datado. Mesmo que ele seja de um ou dois anos atrás. E, a partir daí, refletir sobre seu significado.

Há um círculo do inferno reservado para quem, repetidamente, compartilha notícias antigas com ose fossem novas. Trecho do painel

Há um círculo do inferno reservado para quem, repetidamente, compartilha notícias antigas como se fossem novas. Parte do painel "O Julgamento Final" (1425), de Fra Angelico, que está em Florença, na Itália

Mostrar que alguém foi denunciado por um crime, há cinco anos, e repercutir a informação sem informar que a polícia revelou que a denúncia era vazia algumas semanas depois é de uma irresponsabilidade sem tamanho. Mas serve a interesses imediatos ou ao prazer de espíritos de porco – com todo o respeito que tenho ao suínos.

Ou compartilhar notícia de que um empresário fez uma delação envolvendo um político que está a um passo do abismo com um comentário do tipo "Olha aí de novo!", sendo que a notícia tem dois anos e já está sendo usada no processo contra o político.

Todos erram na vida. Atire a primeira pedra quem nunca compartilhou, deu like ou retuitou aquilo que não devia.

Mas corrigir rapidamente, apagando a postagem ou editando seu conteúdo para alertar que é notícia antiga, por exemplo, deveria ser regra básica de convivência em sociedade. Isso evita que boatos sejam fortalecidos e que mentiras circulem livremente.

E que bebês pandas tenham uma morte horrível.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.