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Leonardo Sakamoto

"As mulheres de verdade não querem empoderamento. Querem é ser amadas"

Leonardo Sakamoto

28/04/2016 09h50

"As mulheres de verdade, que estão lá fora, não querem empoderamento. Querem é ser amadas."

A frase, proferida pelo deputado federal Flavinho (PSB-SP), durante um acalorado debate, na madrugada desta quinta (28), na Câmara dos Deputados, e registrada por Evandro Éboli, de O Globo, subiu aos céus e atingiu Deus como um petardo.

– Ai, que saco…

– Aconteceu algo, ó Senhor?

– Chateado com um troço que ouvi há pouco. Deu, de novo, aquele remorso de ter criado a raça humana. Tem Rivotril ainda?

– Desculpe, ó Senhor. Sou apenas um querubim. O Senhor nunca me deu o poder da onisciência. Aqui, só escuto harpas. E o Rivotril acabou.

– "As mulheres de verdade, que estão lá fora, não querem empoderamento. Querem é ser amadas."

– Hum, puxado, hein? Já sei! O Senhor resolveu assistir novamente ao vídeo "Os Melhores Momentos da Idade Média". Mas seu filho já havia dito que não era uma boa ideia ver esse tipo de coisa antes de dormir…

– Não. Século 21.

– Então, o Senhor voltou a ver os vídeos do Estado Islâmico no YouTube? Também não faz bem. Maomé está deprimido e é por isso que o Rivotril acabou, ó Senhor.

– Não, aconteceu no Brasil. Flavinho. Deputado de São Paulo, Brasil.

– Deixe checar os registros… Aqui, Flávio Augusto da Silva. De acordo com nossa planilha, ele diz que é da sua bancada no Congresso, Ó Senhor.

– MAS EU NÃO TENHO BANCADA.

– Tem sim. Lembrando que o presidente da Câmara dos Deputados também diz que faz parte dela. Até pediu que o Senhor tivesse misericórdia do país dia desses.

– Sei, o tal do Cunha. Bati um Skype pra Lúcifer. Reclamei que um dos seus estava saindo da casinha.

– E o que o Príncipe das Trevas disse, ó Senhor?

– Falou que, com o Cunha, ele não se mete porque tem medo… E essa frase do tal do Flavinho foi dita durante uma sessão em que Cunha não admitiu a derrota em uma votação, manobrou e colocou para votar de novo, saindo vitorioso.

– E qual era o tema, ó Senhor?

– Os congressistas conservadores criaram uma comissão específica para tratar dos direitos da mulher.

– Mas isso não é bom?

– Não, eles querem fazer isso para enfraquecer outra comissão que já discute o assunto e poderem, com essa, ajudar a diminuir os direitos da mulher. Além do mais, os temas mais relevantes na pauta feminista estão de fora dessa comissão.

– Realmente, o Brasil não é para principiantes. Mas o que vai fazer, ó Senhor?

– Posso apostar que a consciência e o livre arbítrio algum dia farão diferença. Ou posso mandar um meteoro e dar reset em tudo.

– Se me permite a sugestão, o meteoro, ó Senhor. Grande parte dos homens brancos do Congresso Nacional brasileiro são a prova viva que sua criação desandou feito maionese. Mas, da próxima vez, entregue o planeta a uma espécie mais sensata. Fungos, por exemplo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.