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Leonardo Sakamoto

Dilma e Temer poderiam contratar um amigo para ouvir um papo reto

Leonardo Sakamoto

29/04/2016 18h42

Usamos a expressão "bobo da corte" pelo seu significado do palhaço que serve para entreter os poderosos. Mas esquecemos que muitos dos bobos que serviam a reis e rainhas na Idade Média europeia eram os únicos funcionários da monarquia com liberdade para criticá-la publicamente e saírem ilesos.

A acidez da sinceridade e a loucura da escárnio, que andavam de mãos dadas sob a tutela de um bobo, transformavam-no em um lampejo de racionalidade que podia ser útil ao governante – mesmo que ele não se desse conta disso.

Lembrando que Gil Vicente, no seu Auto da Barca do Inferno, já dizia no século 16 que os bobos, os tontos, desprovidos de tudo, sinceros e sem malícia, são os que conseguem driblar o diabo e até injuriá-lo. Consideram-se ninguém e por serem honestos sobre si mesmos e o mundo, são conduzidos ao paraíso.

Já o nobre, o religioso, o juiz, o advogado e, é claro, o mestre de ofício, são condenados ao fogo do inferno.

São conhecidas as reclamações dos que conviveram no círculo próximo de Dilma com relação à sua dificuldade de encarar críticas. Certa vez, após uma análise contundente feita por um ex-ministro, ela deixou claro que não aceitaria ser "admoestada" daquele jeito. Perdeu um interlocutor importante com isso. São poucos os que fizeram parte do seu entorno e tiveram a coragem de ter um papo reto com a chefe.

A incapacidade de entender que uma parte da insatisfação popular que corroeu sua popularidade se deve ao fato de que prometeu não torturar o andar de baixo e poupar o andar de cima como solução para a crise é um exemplo. Há outras saídas para a crise econômica, mas ela não ouviu. E, surpreendentemente, não escuta a si mesma nas propagandas eleitorais de 2014.

Vale lembrar do livro de Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2: "Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade".

Pelo andar da carruagem Michel Temer também precisa de um bobo para dar uns toques a ele. E não estou falando sobre as cartinhas a Dilma, as mensagens de WhatsApp aos deputados e as louvações públicas a Eduardo Cunha. Seria bom um toque do tipo "menos, menos, campeão".

Até para que a conspiração pela cadeira no Planalto não pareça tanto uma conspiração.

Mas autoexilado em sua vaidade, preso à sua arrogância e acorrentado à pressa, essa inimiga da política de bastidores do qual ele mesmo é fruto, vai construindo uma imagem em torno de si que certamente não será muito abonadora nos futuros livros de história.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.