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Leonardo Sakamoto

PM de folga atira em sem-teto: caso isolado ou abriu a temporada de caça?

Leonardo Sakamoto

06/05/2016 18h09

Até um hamster com problemas cognitivos sabe que militantes de movimentos sociais são alvos preferenciais em um país em que a Constituição Federal, não raro, é usada como embrulho de peixe, tamanho o respeito dedicado a ela. Isso quando não se converte em papel higiênico.

Vira e mexe recebemos a notícia de alguém que foi ameaçado, agredido, esfaqueado ou baleado em algum canto na luta pela efetivação do que está previsto no embrulho de peixe supracitado. Aliás, a história da evolução dos direitos sociais no Brasil é uma sequência de biografias finalizadas cedo demais. Para cada Chico Mendes, Dorothy Stang ou os 19 sem-terra de Eldorado dos Carajás que repercutem dentro e fora do país, centenas de outros morrem como viveram: lutando anonimamente.

Um policial militar de folga atirou em uma marcha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), nesta quarta (4), em Itapecerica da Serra (SP). E uma bala atingiu a militante Edilma dos Santos na barriga que, levada às pressas ao hospital, passou por cirurgia e está em recuperação.

Como justificativa, o policial disse que atirou acidentalmente após manifestantes baterem no vidro do carro. Ele foi preso logo depois pelos colegas e será acusado de tentativa de homicídio.

Uma investigação séria poderá dizer se ele estava a mando de alguém ou se é apenas um criminoso que não deveria ter o direito de vestir uma farda policial.

O fato é que é difícil separar o ocorrido do atual momento do país, no qual o ódio tem puxado as rédeas de muita gente.

Pessoas começam a ser atacadas violentamente por conta de suas posições ideológicas nas redes sociais.

Convicções políticas acabam sendo escondidas por medo de retaliação violenta de conhecidos e desconhecidos.

Amizades e laços familiares são desfeitos por conta de posições políticas.

Crianças começam a mimetizar o comportamento de seus pais e isolam amiguinhos.

A escolha da cor da roupa deixa de ser uma questão estética e passa a ser de garantia de integridade física e psicológica.

Pessoas apanham e são ameaçadas na rua por estarem com um adesivo, uma camiseta ou um boné errado.

Uma militante do MTST é baleada, em plena luz do dia, em local público com grande número de testemunhas (cerca de 500 pessoas estavam na marcha), por um policial de folga, em plena região metropolitana de São Paulo.

Como já disse aqui, se você preza pela liberdade, deveria repudiar essa escalada de violência e todo tipo de agressão contra movimentos sociais populares, da mesma forma que deve ser repudiada a criminalização de qualquer militante social, de direita ou esquerda. Pois, hoje é com eles. Depois, com uns sindicalistas, operários, jornalistas… Amanhã, quem sabe, se não vai ser com você?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.