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Leonardo Sakamoto

A novela do impeachment: Lexotan e infarto agudo do miocárdio

Leonardo Sakamoto

09/05/2016 14h46

Desde que Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara dos Deputados, assinou a anulação da tramitação do processo de impeachment de Dilma Rousseff, nesta segunda (9), provando mais uma vez que o roteiro da crise brasileira faz um final de temporada de House of Cards parecer episódio de Peppa Pig, uma guerra de versões e tentativas de explicação, muitas delas desencontradas, tomaram a internet. Não só porque ocorreu o impensável e por estarmos vivendo uma guerra política, mas também por termos, na média, mais colunismo do que reportagem. E quem acha que há apenas dois interesses em disputa está muito, muito mal informado.

É claro que há uma boa dose de wishful thinking em muitas análises e há, claro, os ficcionistas frustrados, mas cada um tem sua rede de fontes e confia nelas o suficiente para subsidiar suas apurações. O problema é que muitas fontes, neste momento, fazem parte da batalha política que está sendo travada. E ao usar e abusar do off (a informação publicada sem identificação da fonte), que deveria ser o último recurso não o primeiro, o jornalismo profissional torna-se repositório de boatos e versões que os diferentes lados querem ver circulando.

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Waldir Maranhão (PP-MA), presidente interino da Câmara dos Deputados, e investigado pela operação Lava Jato

Ao mesmo tempo, muitas pessoas preferem perder o pudor do que a audiência nesse pandemônio – ainda mais em um cenário em que veículos tradicionais competem com páginas anônimas e apócrifas que possuem até mais seguidores que eles. E, convenhamos: muitos leitores não querem informação de qualidade e sim armas para lutar na guerra virtual, mostrando que precisamos caminhar muito para qualificar o debate público.

Então, mesmo informações que não foram checadas com fontes independentes são publicadas. E, no afã de poder dizer que foi o primeiro que deu tal informação, publica-se uma série de chutes. Afinal, um deles acaba entrando. Se errar? É só soltar uma correção e tocamos o barco.

Até aí, nada de novo no jornalismo. O problema é que nós jornalistas, que já somos ansiosos, enlouquecemos em um ambiente cujo ritmo é ditado pelas redes sociais. Lembram da cobertura da morte de Eduardo Campos?

Isso sem contar outros tipos de desespero. Compreendo a tensão diante do fato bombástico que cai no colo da redação e obriga a largarmos tudo o que estamos fazendo para cobrir – já vivi isso muitas vezes e é bem louco. O que não compreendo, ou melhor, não gostaria de compreender, é a tensão e o desespero não diante da cobertura, mas do fato em si. Isso transparece em alguns colegas que estão em plena torcida, de um lado e do outro. O quanto isso afeta seu julgamento pessoal é outra história.

Mas tive a impressão, lendo algumas coisas, que há quem quase infartou diante do ocorrido, em uma tensão pela possibilidade (não crível) do impeachment voltar à estaca zero. É natural e saudável que as pessoas tenham posicionamentos pessoais, mas seria bom não deixarem que eles afetassem sua saúde.

Já Michel Temer sofrer um infarto agudo de miocárdio diante disso, seria mais compreensível. Afinal, conspirar tanto para chegar até aqui e morrer na praia, não dá. Mas, para isso, ele teria que ter coração – coisa que não sei se nenhum dos dois eleitos na chapa vencedora de 2014 possui…

Enfim, tudo isso vale para a parte visível da circulação de informação. Porque muitas das listas da qual faço parte parecem, neste momento, um lago de fel e enxofre.

Um pouco de calma nessas horas, para todos os envolvidos, seria muito saudável. Até porque, se todos infartarmos, quem herdará a Terra será Eduardo Cunha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.