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Leonardo Sakamoto

Lema de Temer será "Ordem e Progresso". Melhor seria "Um Governo de Cuecas"

Leonardo Sakamoto

12/05/2016 12h55

Quando o segundo governo Dilma Rousseff lançou o lema "Pátria Educadora", que considerei muito ruim na época,  achei que o marqueteiro João Santana havia nos levado ao fundo do poço. A utilização do termo "pátria" em qualquer processo que remeta a uma construção simbólica junto ao público me dá calafrios por evocar um nacionalismo tosco. Daqueles utilizados por regimes autoritários a fim de promover o sentimento de amor à terra, mesmo que essa terra te torture.

Mas daí veio Michel mostrando que, no fundo do poço, tem um alçapão que dá para um mundo novo de possibilidades.

Mônica Bergamo noticiou na Folha de S.Paulo, desta quinta (12), que o slogan do governo Michel Temer será "Ordem e Progresso".

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Primeiro, vale lembrar que a frase presente na bandeira nacional foi exaustivamente utilizada pela última ditadura para justificar seu modelo de desenvolvimento concentrador, explorador e predatório. Sob a égide da ordem para o progresso a fim de ver o bolo crescer e nunca ser dividido, passamos por cima de trabalhadores, indígenas, ribeirinhos, quilombolas e demais comunidades tradicionais. Em um processo que, se começou na Gloriosa, atravessou os governos ditos democráticos até agora.

Ou não é trabalho escravo e a dignidade de indígenas que fluem em turbinas de certas hidrelétricas? E não é o choro de famílias pobres retiradas à força e o sangue de operários mortos que serve de argamassa para estádios de futebol e centros olímpicos?

Ao mesmo tempo em que o programa de governo do PMDB propõe a retirada de direitos de trabalhadores como uma das formas de promover o crescimento econômico e vencer a crise, seu ministro da Justiça e Cidadania, o ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo Alexandre de Moraes, chamou protestos contra o impeachment de "atos de guerrilha". Aponta, dessa forma, a possibilidade de usar a nova Lei Antiterrorismo (proposta por Dilma) para criminalizar manifestantes em desacordo com o governo.

Ou seja: Ordem e progresso.

A frase original de onde veio o lema de Michel era "o amor por princípio, a ordem como base, o progresso como fim" e foi cunhada por Augusto Comte, pai do positivismo.

Esse movimento do século 19 que esteve presente na formação da nossa República, grosso modo, defendia que o conhecimento deve vir de fenômenos reais da experiência. Sua meta era alcançar essa ordem e esse progresso sem revolução social violenta. Lembrando que o autor vivia na França pós-1789, ou seja, época de uma revolução atrás da outra.

Nesse contexto, a ciência (a matemática, física, a química, a biologia, a astronomia e, contrariando Geraldo Alckmin, a sociologia) é colocada no alto do pedestal da sociedade.

O positivismo não influenciou apenas a bandeira brasileira, mas também o Estado laico, o casamento civil, as liberdades individuais religiosas ou profissionais, entre outras coisas.

Contudo, a visão de Augusto Comte sobre os direitos das mulheres não era das melhores. No início, criticou a opressão a que estavam submetidas. Mas, depois, passou por um antifeminismo radical até reconhecer, por fim, alguma importância delas em lutas históricas. Chegou a relacionar o que chamou de natureza "emocional" das mulheres com uma suposta inadequação de fazerem parte da vida pública.

"Nascendo para amar e ser amada, livre de toda a prática da responsabilidade, livremente retiradas no santuário doméstico, a nossa ocidental positivista sentirá a honra da pura gratidão."

(Ele não quis dizer exatamente "bela, recatada e do lar". Mas se vocês pensaram nisso, não estão totalmente errados.)

Portanto, podemos acusar Michel de muita coisa – de conspirador a poeta questionável. Mas não se pode dizer que ele não é coerente.

Pois, se por um lado, escolheu uma frase positivista de Augusto Comte como o lema de seu governo.

Por outro, conseguiu a proeza de compor um ministério formado apenas de homens.

E dá-lhe proeza: se for mantido, será o primeiro ministério 100% cueca desde o ditador Ernesto Geisel. E não estou falando apenas da necessidade de mulheres que defendam direitos das mulheres, mas a inexistência de representatividade.

Desprezo por mulheres? Crença na incapacidade delas de contribuírem com a vida pública? Inabilidade política de montar uma equipe diversa (e olha que nem começamos a falar de questões de cor de pele, etnia…)?

Sei lá. Leiam Auguste Comte e depois me contem.

Por isso ainda acho que "Brasil: A Zoeira Nunca Termina" seria um lema mais apropriado para o momento.

Ou, a depender do que acontecer com nossa democracia a partir de agora, resgatar o velho "Brasil: Ame-o ou Deixe-o".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.