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Leonardo Sakamoto

Se Cunha manda na política e Meirelles, na economia, o que faz Temer?

Leonardo Sakamoto

09/06/2016 16h41

Se Henrique Meirelles representa quem manda de fato na economia (e, certamente, não é o povão), o poder político está nas mãos de Eduardo Cunha. Particularmente, eu achava impossível um governo ser tão cobaia do correntista suíço quanto a administração Dilma Rousseff. Pois o presidente interino conseguiu a proeza. Cunha não está sentado no trono do Planalto, mas é rei sem precisar ser.

Pois, como disse aqui ontem, ele é o que centenas de deputados federais realmente acreditam terem de melhor, aquilo que querem ser quando crescerem. Eduardo Cunha é o retrato de nosso combalido, mas necessário, Congresso Nacional.

A reforma política é, junto com a reforma tributária, uma das mais importantes e urgente do país neste momento. Só com mudanças profundas será possível diminuir a influência do poder econômico sobre o resultado das eleições. Mas isso é impensável dentro de um parlamento em sua maioria fisiológico e desqualificado como o nosso, no qual centenas de deputados e senadores não se preocupam com a dignidade do povo brasileiro, mas com sua própria sobrevivência e a de seus preconceitos anacrônicos.

Muitos dos jovens que foram às ruas em junho de 2013, reivindicando participar ativamente da política, não estavam pedindo a mudança do sistema proporcional (como é hoje, com uma correspondência entre cadeiras obtidas e votos no partido/candidato) para o distrital puro (a cidade e o estado são divididos em distritos que elegem apenas um representante), distrital misto (em que se vota para o representante do distrito e para um partido) e o "distritão" (em que a eleição de vereadores e deputados fica semelhante à de prefeitos e governadores – os mais votados vencem, independentemente do voto partidário).

Isso é um debate escolhido pelo próprio sistema que embalou uma serpente em um pacote reluzente e, sorridente, entregou de presente à população como se um modelo que pode levar a um desequilíbrio na representação política fosse a solução perfeita e final. Não estou demonizando o voto distrital misto de antemão, mas ele pode causar outras distorções e não ajudar no controle do representante pela população ou a baratear campanhas.

Mais efeito causará, por exemplo, a proibição de doação eleitoral por empresas, como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal – que terá seu primeiro teste nas eleições municipais deste ano. Os nobres parlamentares aprovaram esse tipo de financiamento de campanha, pensando no futuro de suas carteiras, mas levaram um toco do STF. Ou seja, uma decisão externa ao Congresso terá o poder de ajudar em sua depuração.

Os jovens queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos uma camada digital de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos.

Pois, quando a pessoa está atuando através de uma rede social, não reporta simplesmente. Inventa, articula, mente, salva, agride, muda. Racional e irracionalmente. Enfim, vive.

Por isso, a molecada acha estranho quando alguém reclama com um "sai já da internet e vai jantar!". Como assim?! – pensam. É como falar: "saiam já deste planeta". Não dá, não é outra vida, é a mesma. Ele ou ela está lá e está aqui. Ao mesmo tempo. Os pais piram, mas é simples assim.

Então, para essa geração não é estranho que as plataformas digitais sejam usadas na discussão política, no debate de alternativas e, por que não, no processo de construção política e mesmo de eleição.

Estranho é não usar essas ferramentas. Por que eu preciso ir até uma reunião com meu representante, meu vereador, deputado, senador, se há maneiras mais fáceis, rápidas e interessantes que podem ser usadas na internet para isso? Por que fazer política tem que ser chato?
Não estou falando apenas das redes sociais convencionais. Mas há muita tecnologia interessante sendo desenvolvida para esse fim que a maioria de nós desconhece (com exceção de quem está por dentro da cultura hacker, é claro) por falta de discussões sérias sobre o assunto.

Sei que não é possível adotar e universalizar processos digitais de participação direta imediatamente. Isso demanda algumas ações prévias. Por exemplo, reduzir o analfabetismo digital no Brasil, concentrado não na faixa de renda mais baixa, mas na faixa etária mais alta. Isso sem contar a ampliação da qualidade da educação formal e, mais importante que isso, da conscientização de que cada um é o protagonista de sua própria história.

E, é claro, aprofundar a reflexão sobre as próprias redes sociais e o seu uso para fazer política. A internet não é algo "bom" ou "ruim". É uma plataforma. O que fazemos dela e como é que importa.

O problema é que enquanto muitos discutem como manter a política de forma analógica, outros tantos fazem isso de forma digital com extrema competência. E nem sempre tendo boas intenções.

A guerra digital nas eleições de 2014, bancadas principalmente pelos dois principais partidos políticos brasileiros, o PT e o PSDB, e seus apoiadores, que o digam.

E a várzea das redes sociais com as pessoas acreditando em qualquer coisa com texto bem escrito, mas anônimo, está aí para não me deixar mentir.

Dividir o país em distritos eleitorais geograficamente delimitados faz sentido em um momento em que os relacionamentos sociais e a vida comunitária rompe fronteiras, gera empatias e conecta pessoas em coletividades que pouco têm a ver com o seu bairro?

Plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito são os primeiros passos, não os últimos. A política está sendo radicalmente transformada pela mudança tecnológica. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi. Iremos participar em tempo real.

Mas ao invés de encaminhar essa discussão, o Congresso Nacional vai no sentido oposto, aceitando manobras que beneficiam apenas quem manda politicamente no país. Como fazer com que o Brasil deixe de ser governado por uma elite política e econômica que primeiro pensa em si e depois da população?

É óbvio que isso passar por devolver parte do poder político para seus detentores por direito, ou seja, a própria população. O que vai gerar conflito com as instâncias convencionais de representação.

Afinal, senadores, deputados, vereadores, membros das esferas federal estadual e municipal e quem sistematicamente ganha com a proximidade a eles, enfim, o grupo de poder estabelecido, tendem a não gostar da ideia de ver outros atores ganharem influência, outros que não fazem parte do joguinho.

"Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente." Não está em algum manual bolivariano, mas na Constituição Federal, artigo 1o, parágrafo único.

Isso é tão claro. Mas a vida anda tão nonsense que dezenas de deputados declararam que votaram a favor do impeachment não em nome do povo, mas em nome de Deus.

Como diria o presidente da República em exercício, Eduardo Cunha, "que Deus tenha misericórdia desta nação".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.