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Leonardo Sakamoto

Massacre em Orlando: A difícil tarefa de seguir construindo o futuro

Leonardo Sakamoto

12/06/2016 17h26

Pelo menos 50 pessoas foram assassinadas por um homem em uma casa noturna frequentada pelo público gay, em Orlando, no que está sendo considerado o maior massacre cometido por um atirador nos Estados Unidos. O suspeito é Omar Mateen, que morreu após troca de tiros com a polícia. Ainda não é possível dizer se ele pertence a algum grupo terrorista até este texto ser publicado. Seu pai informou que Omar vinha expressando ódio contra gays.

Gostaria de atualizar e retomar os argumentos que apresentei aqui por ocasião do massacre promovido por terroristas, que atingiu uma casa noturna em Paris, no dia 13 de novembro do ano passado.

O que leva uma pessoa a ir armada a uma casa noturna, uma igreja, um cinema ou mesmo a céu aberto e atacar outras pessoas que ela não conhece? A pergunta é retórica, claro, porque ela seria seguida naturalmente por milhares de páginas de explicações sobre homofobia, racismo ,fundamentalismo religioso, propaganda do ódio, imposições geopolíticas, processos econômicos, manipulação de massa, enfim.

Vocês mesmos devem estar pensando agora que a incapacidade de sentir empatia por um semelhante, comum nos psicopatas, também acometem pessoas consideradas equilibradas. Mas que, diante de algumas circunstâncias, saem da internet e espancam e matam com as próprias mãos porque veem no "diferente" um risco à sua própria existência.

Pois no final de todas essas explicações, chegaremos à mesma conclusão: de que nossa educação social, nossos conjuntos de regras e leis, nosso sistema de repressão e nossa violência estatal porcamente têm conseguido garantir paz.

Não tenho nenhuma pretensão quanto à razão da nossa existência. Não acredito que habitamos a terceira rocha que circunda um sistema solar periférico por conta de algum capricho sagrado, sentido traçado ou destino planejado, mas por puro acaso. E, para fugir do frio e do vazio dessa constatação, passamos milênios construindo deuses à nossa imagem e semelhança. E matamos em nome deles e de suas ordens.

Ou, melhor dizendo, em nome de nós mesmos, usando-os como justificativa.

É exatamente a improbabilidade da vida que deveria ser a razão pela qual ela deveria ser protegida a todo o custo. Cálculos estatísticos mostrando a grande possibilidade de sua ocorrência fora do planeta são apenas isso, puro desejo aplicado à matemática.

A história da humanidade é uma história de luta por valores, pelo processo de dar significado à vida e ter poder e controle sobre esse significado.

Particularmente, ainda acredito que é possível educar as pessoas para entender que diferentes identidades, orientações sexuais e crenças podem e devem coexistir pacificamente e que um diálogo multicultural e respeitoso entre as diferentes civilizações e os significados que cada uma dela dá à ideia de dignidade, construindo, de forma lenta e gradual, um sistema internacional de direitos humanos, ainda é nossa melhor saída concreta.

Pois a antítese a isso – a barbárie – é uma saída sem fim.

A forma mais sustentável de alguém se libertar do jugo da opressão religiosa ou da tirania social e econômica a que está submetido é através da construção da consciência sobre si mesmo, seus direitos, o mundo que o cerca e a fragilidade de sua própria existência.

Após um massacre sem sentido como este em Orlando, e de tantos outros assassinatos por ódio e intolerância em todo o mundo, é difícil defender esse processo de diálogo e conscientização. Mas ele é necessário, nossa única saída. Pois, como já disse aqui antes, a vida não tem sentido para além do sentido que damos a ela.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.