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Leonardo Sakamoto

Brasil inaugura a fase sincera: "se não estou preso, é porque sou honesto"

Leonardo Sakamoto

17/06/2016 17h46

"Alguém que teria cometido aquele delito irresponsável que o cidadão Machado apontou não teria até condições de presidir o país", afirmou Michel Temer.

Eu ainda estou tentando descobrir se o presidente interino tem amigos. Amigos de verdade, daqueles que dão um toque do tipo: "Saka, papo reto: cê vai mandar mal se for por esse rolê, mano".

Ou colegas leais? Funcionários atentos? Um assessor de imprensa que não estivesse jogando Candy Crush quando ele decidiu fazer um pronunciamento para negar informações presentes na delação premiada à Operação Lava Jato de Sérgio Machado? O ex-presidente da Transpetro afirmou que Michel teria negociado uma doação de recursos ilícitos a uma campanha eleitoral de Gabriel Chalita. E faltou alguém para dar um toque a ele a fim de que fizesse isso de uma forma decente.

"Se estou aqui, é porque não fiz nada de errado" e sua derivação "se não estou preso, é porque sou honesto". E até uma morsa em coma sabe que ambas construções retóricas são uma afronta à inteligência.

Com nobres exceções, a classe política dependeu, até agora, de recursos de empresas para se eleger. E se você acha que uma polpuda doação de campanha é um investimento desinteressado é porque viveu em uma caverna desde que nasceu, longe do restante da sociedade. Ou seja, muitos estão lá exatamente porque fizeram algo que varia do ilegal ao imoral.

Se essa frase brotou da consultoria jurídica, poderiam ter burilado um pouco mais. Colocado uma mesóclise, quem sabe? O fato é que ela também mostra um esforço de tentar se explicar sem se comprometer – vai saber o que a delação da Odebrecht aguarda…

A ideia é ruim porque pode ser usada para praticamente qualquer situação. Sendo você inocente ou não.

Se tivesse cometido delito, não teria condições de presidir o Brasil, diz Michel Temer.

Se tivesse cometido delito, não teria condições de presidir a Câmara dos Deputados, diz Eduardo Cunha.

Se tivesse cometido delito, não teria condições de presidir a CBF, diz Marco Polo Del Nero.

Mas acho que descobri a tática de nosso interino: confundir para dividir. Ótimo de bastidores, mas fraco de oratória, ele tenta dar o drible da vaca nos jornalistas – enquanto vocês acham que entenderam por onde vou, eu vou mesmo pelo outro lado. E também contando com o fato que nós ainda não nos esquecemos que sua antecessora, em discursos, saudava a mandioca, estocava vento e lembrava de cachorros como figuras ocultas por trás de toda criança.

Mas se o problema de dirigentes do país fossem só seus discursos, poderiam chamar coletiva diariamente só para cantar Justin Bieber que eu aplaudia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.