Topo

Leonardo Sakamoto

Reino Unido e Brasil: O inverno está chegando e será longo. Mas vai passar

Leonardo Sakamoto

24/06/2016 12h51

Sei que é desesperador ver os defensores do retrocesso celebrando conquistas e conquistas da humanidade desintegrarem-se do dia para a noite e a noite tomar conta de tudo em uma marcha que parece vencer o tempo.

Mas é o tempo que nos chama a refletir sobre nossos erros para reconstruir a resistência – resistência que não significa apenas lutar contra retrocessos, mas apontar saídas – saídas que não podem excluir pobres, trabalhadores e minorias do mundo, pois o mundo só fará sentido se for construído com eles, por eles e para eles.

Isso vale para a saída do Reino Unido da União Europeia, para a crise política, econômica e social brasileira, para qualquer lugar.

Não raro esquecemos que a história não caminha em linha reta e é a resultante de forças que variam em tamanho e intensidade de acordo com cada época. E, por isso, caímos em desespero ao ver maiorias se formarem com base no medo e no ódio e engatarem marcha à ré na efetivação da solidariedade, da fraternidade e dos direitos humanos.

A história não segue o relógio de indivíduos e é lenta em seu processo de conflito e acomodação. Até pode ser catalisada durante revoluções, mas a cada metro que avançamos, retrocedemos outro devido à reação do status quo para, enfim, obtermos alguns centímetros.

Tudo o que foi garantido pode sim ser perdido, incluindo a definição conceitual de coisas caras à nossa civilização, como dignidade e liberdade. Sim, a nossa existência é uma eterna batalha para fugir do abismo que nós mesmos, humanidade, cavamos com nossos pés.

Por isso mesmo que a ideia de resistência é tão importante. É uma ideia paciente, da qual não podemos nos dar ao luxo de abrir mão. Precisa estar viva, nas ruas, nas conversas de bar, na grande política do nosso cotidiano e na pequena política dos parlamentos, gabinetes e tribunais.

A sociedade avança como uma família que segue de mãos dadas, querendo atravessar uma rua movimentada. O mais jovem e forte do grupo poderia chegar do outro lado em um piscar de olhos, ele tem as condições e a consciência disso. Mas não irá. Voltará com os demais quando aparecer um carro em alta velocidade ou um caminhão desgovernado. Terá que respeitar o ritmo do indivíduo mais lento ou doente. Ou todos atravessam juntos ou a família nunca chegará ao outro lado.

Neste momento, nuvens escuras se aproximam do horizonte e prenunciam uma longa tempestade que pode cobrir o mundo e durar um bom tempo. Mas a tempestade passa e, no final das contas, as coisas mudam. Lentamente, mas mudam, com base em muito diálogo e muita luta. É cansativo, é desolador, mas é a condição humana.

Não é otimismo porque não sofro dessa doença. Apenas não aceito que a capitulação à barbárie seja uma alternativa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.