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Leonardo Sakamoto

O pensamento raso brasileiro que não é preconceituoso, mas...

Leonardo Sakamoto

28/06/2016 22h56

Alguns leitores reclamaram do post de ontem. Disseram que tentei criar uma divisão que não existe na sociedade – ignorando, talvez, que a sociedade foi dividida no momento em que o primeiro português mandou o primeiro indígena colher pau-brasil e colocar num porão de navio.

Gente, uma dica: preconceito é para ser dito, repetido e aplicado, mas com naturalidade. Afinal, uma vez diluído no dia a dia, ele se torna uma argamassa que ajuda manter a ordem das coisas e a lembrar quem manda e quem obedece. Mas sem violência! Porque, nós, as "pessoas de bem", detestamos violência, não é mesmo?

Retomei esse post porque achei pertinente diante da cara de pau reinante em nosso culto à intolerância.

EU NÃO SOU PRECONCEITUOSO, MAS…

Tenho medo desses escurinhos mal encarados que pedem dinheiro no semáforo.

Cigano é tudo vagabundo.

Os gays podiam não se beijar em público. Assim, eles atraem a violência para eles.

Acho o ó ter um terreiro de macumba na nossa rua.

É aquela coisa: não estudou, vira lixeiro.

Baiano é fogo. Quando não faz na entrada faz na saída.

Eu paguei caro por isso aqui.

Mulher no volante é um perigo.

Que caráter pode ter alguém que nasceu naquela favela?

Não gostaria de ver minha filha casada com um negro. Não por ele, é claro, mas os filhos deles sofreriam muito preconceito.

Esses sem-teto são todos vagabundos.

Chega de terra para índio, né? Se eles ainda produzissem para o país, mas nem isso acontece.

Uma pessoa que não é temente a Deus, não pode ter bom coração.

Se a polícia prendeu é porque alguma culpa tem.

Esses mendigos deviam ir para a periferia onde não incomodariam ninguém.

Sabe como é esse pessoal de esquerda. É tudo corrupto.

Sabe como é pessoal de direita. É tudo corrupto.

São Paulo é São Paulo, né amiga? Não é Fortaleza.

Se a mina tava vestida daquele jeito é porque era uma vagabunda e mereceu o que levou.

Esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária.

O shopping já foi melhor quando só aparecia gente selecionada.

Sobe o vidro, amor. Você não tá nos Jardins.
Bandido não tem conserto.

O Brasil que trabalha se chama São Paulo.

Só fracassado fuma maconha.

Gente de bem não fica na rua até tarde da noite.

Trabalhador honesto não faz greve.

Esse negócio de não ter carro é coisa de hippie.

Vocês não acham que essas médicas cubanas têm cara de empregada doméstica?

Gente como o Sakamoto só fomenta o ódio e deveria levar uma surra para aprender.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.