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Leonardo Sakamoto

E se o objetivo das Olimpíadas não fosse o lucro?

Leonardo Sakamoto

03/08/2016 08h25

Vira e mexe o Comitê Olímpico Brasileiro e o Comitê Olímpico Internacional afirmam ser proprietários da palavra "olimpíadas" e moveram ações ou mandaram cartas descabidas a quem quer que use o termo.

De competições de ciências, matemática e história à presença em capas de livros, eles cobram e vigiam seus pretensos "direitos" sobre o uso. Justificam-se dizendo que seus avisos enviados a instituições de ensino que promovem "olimpíadas" têm um caráter educativo a fim de garantir que não haja destino comercial para a "marca".

Não sou um mal humorado que não gosta de esporte ou que vai fazer mimimi para o evento que começa logo mais, pelo contrário. Mas há muito os Jogos Olímpicos são um negócio e seus organizadores mercadores, que transformam até papel higiênico em artefato oficial da competição, mostrando que é possível limpar a bunda "mais rápido, mais alto e mais forte".

É chover no molhado, mas não me canso de pensar o quão patético é termos comemorado o fardo de receber as Olimpíadas, com cenas ridículas de autoridades em prantos. Pior, brigamos por isso.

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"Ah, mas os ganhos dos jogos ficam para a população!"

Por que somos tão mirins que precisamos da justificativa de eventos esportivos para catalisar melhorias para a nossa estrutura esportiva e para a qualidade de vida dos moradores da cidade?

"Ah, mas vai trazer ganhos com o comércio!"

Pesquisas já mostraram que o Carnaval tem um melhor custo-benefício do que os Jogos.

"Ah, mas isso enche de orgulho o brasileiro, que vai mostrar ao mundo que também é importante."

Putz, que dó do tal do brasileiro, que ignora remoções forçadas de moradores, corrupção a dar com o pau, superexploração de trabalhadores e destruição de mata nativa.

Enfim, o Coelhinho da Páscoa, o Papai Noel, o Saci Pererê e a Mulher de Branco prometeram que a população do Rio de Janeiro vai ganhar com as Olimpíadas mais do que se o montante de recursos fosse investido na cidade sem a realização dos Jogos. E que todos os envolvidos farão isso dentro do mais altivo interesse público, sem receber nada.

Os Jogos Olímpicos modernos são de 1896, após o Barão de Coubertin ter fundado o que hoje é o COI dois anos antes. Mas não me lembro se os gregos que lutavam, corriam e saltavam besuntados de azeite de oliva nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, entre os século VIII a.C. a V d.C, terem registrado em cartório o uso do nome.

Vocês terão que concordar comigo, entretanto, que cerca de 1300 anos de história são suficientes para dar o direito de um nome a alguém.

Já sugeri isso antes em outro post, então retomo a ideia por ocasião da abertura dos Jogos do Rio. E se todos os recursos captados pelo COI e pelos comitês olímpicos nacionais com o uso do termo "Olimpíadas" e similares fossem destinados para a Grécia? Sim, para a Grécia. Além disso, podemos também encaminhar para o berço da democracia os recursos advindos da venda de direitos de transmissão para a TV.

Acho que seria um belo apoio àquele país que, atendendo ao receituário da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional para sair da crise econômica, se afundou ainda mais, sendo forçado a sacrificar a dignidade da população. População que, por outro lado, teve a dignidade de votar em um plebiscito contra o aumento de impostos que atingia os mais pobres, cortes de gastos públicos e reforma da Previdência em nome de mais um empréstimo internacional.

Isso é utopia, claro. Mas, com menos dinheiro em jogo, talvez os Jogos pudessem ser mais próximos de sua ideia original. Paz, amizade, bom relacionamento entre os povos…

Além do mais, o montante angariado poderia aliviar o chicote sobre o lombo dos trabalhadores gregos, que estão tendo direitos defenestrados sob a justificativa de combater uma crise causada por uma visão enganosa de progresso (qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência).

A mesma visão de progresso que parece ser idolatrada, hoje, pelos Jogos Olímpicos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.