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Leonardo Sakamoto

Você sabe o que faz um vereador? E capturar um Pokémon, você sabe?

Leonardo Sakamoto

14/08/2016 19h03

Tenho muita preguiça de quem tem preguiça de discutir política.

Principalmente em anos como este, em que – ancoradas em nosso silêncio e nossa resignação – pessoas bisonhas tendem a ser eleitas para fazer rir indivíduos, empresas e organizações que os apoiam direta ou indiretamente.

Sim, em última instância, somos nós os responsáveis por eleger os bisonhos supracitados. Seja por ter votado neles (reproduzindo o que terceiros disseram sem a devida análise de quem são, o que defendem e com quem estão), não votando mas também não tentando, ao menos, pautar a discussão sobre eles (quando temos certeza de que não farão um bom governo ou uma boa representação) ou, pior: não se interessando em saber o que faz um prefeito ou um vereador – ou se as opções que estão aí cumprem esse papel.

Você sabe o que faz um vereador? E como capturar um Pokémon, você sabe?

Eu sei que, não raro, um Squirtle é mais útil para a sua felicidade do que certos vereadores. Como ele só existe virtualmente (o Pokémon, no caso), não pode causar tantos problemas quanto os representantes municipais.

O pior é que, a cada quatro anos, somos capturados para dentro da Pokébola, sem nos dar conta disso.

Nas últimas eleições municipais, gastei o gogó convencendo amigos e inimigos a pesquisarem e votarem nos candidatos que, em sua opinião, farão uma boa gestão e nos representarão na Câmara dos Vereadores. Fui à rua, conversei com pessoas do bairro onde moro (Sumaré) e naquele onde cresci (Campo Limpo), enfim, o que sempre faço nesses momentos. Defendi pontos de vista, ouvi outros tantos.

A internet é importante como plataforma de construção e reconstrução da realidade, mas não é a única camada de interação possível, nem a única desejável. O velho corpo a corpo é fundamental.

Note que não estou citando o candidato X, Y ou Z. Não estou pregando, neste espaço, voto a alguém mas que, pelo amor que tem à sua própria qualidade de vida, você participe ativamente dos destinos da sua cidade.

Tome conhecimento de quem é o mano ou a mina em que você vai depositar sua confiança e se ele ou ela é digno desse voto ou apenas um iogurte desnatado vendido pelo marketing. E se perder o timing, lembre-se que em muitas cidades haverá segundo turno, ou seja, chance renovada.

"Pô, mas política é chata demais." Mas não precisa ser assim, ela parece chata porque construíram ela dessa forma. Invente sua maneira de fazer política, oras, tem muita gente fazendo isso. E, principalmente, não xingue quem está travando o debate deforma educada, por mais que seja dura. Afinal de contas, a saída para contrapor uma voz não é forçar o silêncio, mas sim outra voz. O silêncio dói, machuca. O diálogo é música. Sinto um amargo na boca quando vejo pessoas que, sob o risco de verem seus argumentos naufragarem em sua própria arrogância, tentam calar o outro.

Muita gente simplesmente repete mantras que lê na internet, ouve em bares ou vê na igreja e não para para pensar se concorda ou não realmente com aquilo. É um Fla-Flu, um nós contra eles cego, que utiliza técnica de desumanização, tornando o outro uma coisa sem sentimentos. Isso é muito útil durante eleições polarizadas, mas péssimo para o cotidiano.

Somos seres complexos com múltiplos níveis de relações. Tenho colegas conservadores economicamente, mas liberais em comportamento que guardo em muito mais estima do que colegas que se dizem progressistas, mas mostram um discurso e prática comportamentais tacanhos. Afinal de contas, não é possível defender a liberdade dos povos e transbordar machismo, tratando a companheira como uma serva em casa, por exemplo.

É mais fácil pensar de forma contrária, preto no branco, os de lá, os de cá. Mas, dessa forma, a vida vai ficando mais pobre. Sem o direito ao convívio diário com aqueles que pensam de forma diferente, estancamos em nossas posições, paramos de evoluir como humanidade. Do outro lado sempre estará um monstro e do lado de cá os santos. Isso sem contar a impossibilidade de apreciar tudo o que o outro tem de melhor – do ombro amigo à conversa inflamada em uma mesa de bar.

Sugiro, mais uma vez neste espaço, que busquem a tolerância no diálogo, mesmo que firme e duro, e ao questionarem o outro sobre as razões que o levam a determinada escolha, não tenha medo de colocar à prova a sua própria opção. Que se for forte o bastante, resistirá ao contato com outra ideia. Nossa natureza não é de certezas, mas de dúvidas e falhas que só conseguem ser melhor percebidas nesse contato.

Por fim, quem rompe a barreira do conformismo e tenta debater política – independentemente do seu posicionamento – é taxado como chato, babaca ou subversivo. Ou seja, um mala sem alça que não entende que a cidade é um organismo autônomo que lhe presta um favor por deixar nela viver.

E ainda é obrigado a ouvir coisas do tipo: "Ignora que ele vai embora", "Ei! Estamos numa mesa de bar e você quer conversar de política? Deixa de ser idiota!", "Você não curtiu a foto que postei no Face da minha rosquinha no café da manhã e quer agora que eu discuta política? Você se acha, né?"

O fato é que nós não nos sentimos donos da cidade em que vivemos. Acreditamos que somos ocupantes provisórios. Caso tivéssemos essa necessária sensação de pertencimento, participaríamos realmente da vida da metrópole e perceberíamos o quão importante são dias como hoje em que decisões para os próximos quatro anos serão tomadas.

Mas a cidade, como todos sabem, não nos pertence. Entregamos ela, há muito tempo, às indústrias de automóveis, às empreiteiras e às empresas de telefonia móvel, entre outras, que sabem do que a gente realmente precisa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.