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Leonardo Sakamoto

Delações da Odebrecht podem ajudar a frear golpes contra os trabalhadores

Leonardo Sakamoto

23/11/2016 19h07

Quem diria que a Odebrecht pode dar, afinal de contas, uma mão para a garantia da dignidade no Brasil.

As delações dos quase 80 executivos da Odebrecht que devem ser assinadas com o Ministério Público Federal, até esta sexta (25), podem dificultar a aprovação do Pacote de Redução do Estado Brasileiro, que está sendo levado a cabo pelo governo Michel Temer – com a ajuda de sua base de sustentação no Congresso Nacional e a anuência vistosa ou silenciosa de algumas figuras do Judiciário. Como são cerca de 200 políticos envolvidos em sombrias negociações com a empresa, dos mais diferentes partidos, para os mais diferentes gostos, a porrada por tornar tudo mais lento.

Para colocar em marcha o compromisso com uma parcela de Patos Amarelos do PIB nacional que ajudaram na troca de governo, o Executivo e o Legislativo terão que acelerar a aprovação de propostas e projetos, torcer para o ministro Teori Zavascki demorar para homologar as delações e cruzar os dedos para que seu conteúdo não vaze – como tem vazado sistematicamente até agora. Ou seja, vão ter que pisar no acelerador do saco de maldades.

meteoro

Entre as promessas firmadas, está uma reforma trabalhista, que começaria com o aval para a terceirização de todas as atividades de um empresa e com a autorização para que negociações entre sindicatos e patrões tenham mais valor do que a lei, mesmo em prejuízo ao trabalhador.

Mas também uma reforma previdenciária, impondo uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, desconsiderando que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo que os mais ricos e, ao chegar nessa idade, muitos já estão com os corpos moídos. Ou seja, mais fácil cortadores de cana, pedreiros e produtores de carvão vegetal chegarem ao descanso eterno antes de aproveitarem um descanso pela merecida aposentadoria.

E, sem contar, a limitação do crescimentos de gastos públicos à inflação por 20 anos. Ou seja, só vai ter correção monetária. Áreas como educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia, meio ambiente terão que se digladiar entre si para garantir orçamento a fim de poder cumprir o que prega a Constituição Federal de 1988. Uma redução do tamanho do Estado que apenas quem não precisa dele comemora. Quem precisa, tá ferrado.

Um exemplo de atalho que já está sendo tomado frente à possibilidade do Juízo Final é a opção por um projeto que libera a terceirização de trabalhadores em qualquer situação, já praticamente aprovado, que está na Câmara, em detrimento ao do Senado, que era o foco inicial da discussão.

É claro que ajudaria aos planos do governo se um de seus principais articuladores com o Congresso, o ministro Geddel Vieira Lima, tivesse usado o tempo para articular a aprovação desse pacote e não para tentar usar seu cargo a fim de liberar a construção do prédio onde ele terá um apartamento de luxo…

É claro que o Brasil precisa alterar os parâmetros de sua Previdência Social e mesmo atualizar a CLT. O país está mais velho e isso deve ser levado em consideração para os que, agora, ingresso no mercado de trabalho. Mas as propostas que estão na mesa representarão um retrocesso na qualidade de vida da população mais pobre. E a tentativa de aprovar tudo a toque de caixa, sem um debate público, é um caso de delinquência política e social.

Delinquência tão grande quanto ignorar outras ações que poderiam ser tomadas e trariam o andar de cima para contribuir com a crise também, como taxar dividendos de empresas recebidos por pessoas físicas, aumentar a taxação sobre grandes heranças, instituir uma taxação sobre grandes fortunas e reformar a tabela do imposto de renda, cobrando muito de quem tem muito e desonerando a classe média. Afinal, temos que buscar formas de passar pela crise, não de aproveitar a crise para passar por cima dos trabalhadores.

Vai ser uma corrida contra o relógio que, no desespero, certamente conseguirá aprovar muita coisa ruim.
Mesmo com a aprovação de uma anistia ao Caixa 2, que está sendo descaradamente combinada no Congresso, vai sobrar para muita gente porque procuradores e juízes não vão desistir de considerar-la lavagem de dinheiro.
Chegamos ao ponto de torcer para que delações de corruptos ajudem a evitar que nosso próprio governo cometa uma tragédia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.