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Leonardo Sakamoto

Se anistiar caixa 2, Congresso decretará que o Brasil é um país de otários

Leonardo Sakamoto

24/11/2016 09h51

A Câmara dos Deputados perdeu o (pouco) pudor (que ainda tinha) ao negociar, para embutir no pacote de medidas anticorrupção, uma anistia a quem utilizou-se de caixa 2. Os nobres parlamentares querem reduzir o impacto das delações premiadas dos quase 80 empregados da construtora Odebrecht que estão sendo assinadas com o Ministério Público Federal.

Com exceção do PSOL e da Rede e de grupos de parlamentares contrários às lideranças de seus partidos, que fazem parte das articulações para o Salve Geral, esta é uma ocasião em que boa parte do governo e da oposição estão juntos para salvar seu próprio pescoço.

Se aprovada a anistia, o crime de caixa 2 só valeria se cometido de agora em diante. Para os parlamentares, o que passou passou.

O problema é que não passou. A população brasileira mais pobre é a que mais sofre devido às relações incestuosas e pornográficas estabelecidas entre políticos e empresários em financiamentos de campanhas.

Empresas que compram políticos querem ver seu investimento dando retorno – seja na forma de informações privilegiadas, seja no favorecimento para contratos com o Estado. Que não seguem o interesse público e, muitas vezes, desviam recursos que poderiam ser usados para garantir melhor qualidade de vida ao andar de baixo.

Agora, o Congresso Nacional está prestes a dar uma banana para o país. O mesmo Congresso que também irá aprovar uma reforma trabalhista e uma reforma previdenciária (que irão revogar direitos da população mais pobre) e que irá impor um teto ao crescimento de investimento em serviços públicos.

Aqui é como a Atenas antiga: cidadãos são políticos e empresários, que fazem as leis que os beneficiam e os perdoam. E os não-cidadãos são o resto, a xepa, que encara sozinho o rigor da lei. Até porque rico não rouba, rico sonega.

Enquanto isso, Valdete foi condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete. Franciely foi acusada de roubo de duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em um hipermercado. Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado – perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas em uma loja. Ademir, no desespero, furtou coxinhas, pães de queijo e um creme para cabelo em um supermercado. Foi levado a um banheiro e espancado até a morte.

Diante do quadro geral, se os nobres deputados e senadores resolverem aprovar essa anistia e Michel Temer sanciona-la e a população permanecer em berço esplêndido sem se dignar a arranhar uma mísera panela quando a notícia aparecer no jornal na TV, sugiro que o país feche para ensaio.

Com um pouco de treino e quase 200 milhões de figurantes, podemos alegrar a memória de Nelson Rodrigues com uma grande encenação da peça "Perdoa-me por me traíres".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.