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Leonardo Sakamoto

E quando Malafaia será chamado a depor por incitar ódio e intolerância?

Leonardo Sakamoto

16/12/2016 11h51

Quando Marcelo Crivella ganhou as eleições no Rio de Janeiro, neste ano, o pastor Silas Malafaia avacalhou, no Twitter, com o Globo, a Veja, o PT, o PSOL, o candidato derrotado Marcelo Freixo, a esquerda e bradou um "Chora Capeta" – assim mesmo, sem vírgula separando o vocativo.

Mas não foi a primeira, nem a última vez que ele surtou. Em outra ocasião, disse que iria "funicar" (sic), "arrombar" e "arrebentar" o então presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Tony Reis. Ficou insatisfeito por conta de um de seus discursos ter sido usado em um vídeo que discute a violência contra homossexuais.

Também prometeu "arrebentar" Fernando Haddad, então candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012, por conta do material didático anti-homofobia que seria distribuído às escolas pelo Ministério da Educação (e bloqueado pelo governo Dilma Rousseff após críticas da bancada de religiosos no Congresso Nacional).

Silas Malafaia já propôs campanha de boicote a uma rede de perfumes por ela mostrar casais homossexuais em uma campanha para o Dia dos Namorados ("Quero conclamar as pessoas de bem a boicotar os produtos dessas empresas, como O Boticário. Vai vender perfume para gay!"). Isso sem contar as vezes que foi para cima de jornalistas – até que encontrou um Ricardo Boechat pela frente, que lhe deu uma forte e inesperada resposta.

O líder da Igreja Vitória em Cristo é conhecido por essas e tantas outras declarações polêmicas. Seus discursos, não raras vezes, ultrapassam o limite da responsabilidade, confundindo liberdade religiosa e de expressão com uma guerra intolerante de ódio à diferença.

Lembrei de vários casos que o envolvem quando, na manhã desta sexta (16), a Polícia Federal expediu um mandado de condução coercitiva, no âmbito da Operação Timóteo (sim, o personagem bíblico), para tomar seu depoimento. A investigação apura envolvimento de uma igreja sob sua influência na ocultação de valores de origem ilícita.

Seria leviano dizer que ele é culpado nesse esquema, pois a investigação está em curso. Até que se prove o contrário, é inocente. Condenar antecipadamente alguém da qual discordamos ideologicamente é bizarro. Mas, para muita gente, não importa os fatos, mas sim sua crença e seu desejo.

Portanto, este texto não é sobre a operação da PF. Mas sobre crença e desejo.

Em uma postagem que ele fez sobre a operação da PF para os seus mais de 1,31 milhão de seguidores no Twitter, afirmou que essa é uma "tentativa de desmoralizá-lo na opinião pública".

Disso, discordamos. Não apenas pelo fato de "opinião pública" não existir – o que existe são opiniões de diversos públicos que compõem a sociedade, de seus fiéis aos seus opositores. Mas porque é ele mesmo quem mais se empenha em se desmoralizar diante de uma boa parcela da sociedade por sua verborragia violenta do dia a dia.

Malafaia sempre reclama de intolerância religiosa contra ele, mas quer o direito de poder continuar atacando aqueles ou aquelas cuja vida e ideias não batem com sua interpretação distorcida das palavras de um livro sagrado, na qual um barbudo legal (Jesus, não Marx) pregava paz e tolerância.

Como já disse aqui, líderes religiosos dizem que não incitam a violência. Mas não são suas mãos que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente, mas é a sobreposicão de seus argumentos e a escolha que faz das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo dos fiéis e torna o ato de esfaquear, atirar e atacar banais. Ou, melhor dizendo, "necessários", quase um pedido do céu. Suas ações alimentam lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

Afirmando que sua igreja não recebeu dinheiro ilegal e reclamando da condução coercitiva para depor, ele questionou: "Será que a Justiça não tem bom senso?" Nisso, concordamos.

Afinal, apesar das tantas vezes em que ele agrediu a dignidade humana, Silas segue incitando pessoas contra pessoas. Será que a Justiça não tem bom senso?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.