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Leonardo Sakamoto

O ministro está certo: Prisões não saíram do controle (dos próprios presos)

Leonardo Sakamoto

06/01/2017 18h56

O ministro da Justiça Alexandre de Moraes afirmou, nesta sexta (6), que a situação do sistema carcerário brasileiro "não saiu do controle", apesar dos 93 presos assassinados nos últimos dias no Amazonas e em Roraima.

Concordo. Não saiu do controle das facções criminosas que comandam os presídios.

O que o Estado consegue é, mal e porcamente, manejar o sistema para retardar a sua explosão.

Contudo, nem se quisesse, conseguiria impor, no curto prazo, regras e ordem. Teme-se mais as facções criminosas do que as forças de segurança pública – com exceção, talvez, às milícias formadas por mutações dessas próprias forças públicas.

As diferentes esferas de governo são incapazes de implantar uma política de reintegração da população encarcerada, acelerar a análise dos casos do um terço de presos provisórios (que não foram condenados), repensar a política de combate às drogas (só em um delírio muito louco é possível imaginar que um vendedor de maconha merece cumprir pena em regime fechado) ou mesmo reescrever as punições a determinados crimes que não envolvem atentados contra a vida, forjadas com base na crença de que retirar a pessoa do convívio social é a solução para tudo.

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No afã de se justificar e tentar permanecer imune a essa crise, o governo federal tem dado declarações vazias ou desastrosas que em nada contribuem com a solução. E nem melhoram a sua própria imagem.

É claro que o problema não começou com os atuais governos e não serão eles sozinhos que vão resolvê-lo.

Assumir a verdade – a falência do sistema – pode causar (mais) pânico à população, que está com medo – e com razão. Afinal, se essa bomba explodir, não haverá muro alto, cerca eletrificada e guardinha noturno que ajudará com a (falsa) sensação da segurança.

Mas já passou da hora de parar de enganar a população brasileira com promessas de construção de presídios e contratação de policiais como se isso resolvesse algo. Nunca a construção de vagas prisionais será páreo para a quantidade de pessoas que mandamos para a cadeia anualmente.

Ajudamos a desconectar os presídios do restante do tecido social, tornando-os uma espécie de limbo para onde vai quem atentou contra a sociedade. E o que acontece no limbo, fica no limbo mesmo. Afinal de contas, foram eles que pediram isso, não?

O problema é que não fica. E o ódio gestado em muitos dos presos durante esse processo bisonho de "ressocialização", por tudo o que viram e viveram, será levado para fora quando retornarem ao convívio social.

E quem vai pagar o pato somos eu e você.

O que anos de políticos imbecis, apresentadores de TV safados e estruturas que pregam a violência como nosso cimento social (como certas famílias, igrejas, escolas e veículos de comunicação) têm pavimentado dificilmente será desconstruído do dia para a noite.

Mas, em alguma hora, precisamos começar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.