Topo

Leonardo Sakamoto

Presídios ou escolas: Temer não entende que não temos um projeto de país

Leonardo Sakamoto

09/01/2017 14h46

"Espero que, daqui a 20 anos, quem esteja nesta tribuna venha a dizer: olha estou construindo só escolas, só postos de saúde, não estou construindo presídios. Mas a realidade atual nos leva à necessidade imperiosa da construção de presídios."

A declaração de Michel Temer, nesta segunda (9), parece uma resposta a uma frase de Darcy Ribeiro que está circulando pela internet após os massacres em presídios no Amazonas e em Roraima. O antropólogo, escritor, educador e político afirmou, na década de 80, que se não construíssemos escolas, em 20 anos, faltaria dinheiro para construir presídios.

De lá para cá, construíram-se muitas escolas. Mas a qualidade do ensino, deficiente às necessidades do indivíduo e do país, não acompanhou esse ritmo, principalmente na educação básica. E, consequentemente, sem poder oferecer a perspectiva de mudança de vida e de respeito à dignidade, a educação acabou perdendo jovens. Para as promessas do tráfico, por exemplo. Que, por sua vez, entopem os presídios – depósitos de gente e escolas de crime. E, lá, para fugir dos maus tratos ou para melhorar de vida fora dela, muitos se unem aos PCCs, CVs, FDNs da vida.

Mais do que construir presídios, a hora seria de reformar os já existentes, garantindo o mínimo de dignidade; começar uma grande ação para analisar os casos do mais de um terço de presos preventivos que ainda aguardam julgamento (há muitos inocentes lá dentro); verificar quem já poderia estar em liberdade, mas foi esquecido lá dentro; e buscar mudanças em leis para desafogar o sistema carcerário nacional. A legislação contra o tráfico de drogas, por exemplo, leva a polícia e ao Judiciário a perderem tempo trancando vendedor de maconha – tempo precioso que seria melhor gasto na investigação de latrocínios e estupros ou na prevenção a crimes.

Temer, para atender uma parcela da população que, mal informada, contenta-se com soluções simples para problemas complexos, que acredita que remediar é melhor que prevenir e que aprendeu (graças a políticos toscos e programas sensacionalistas na TV e no rádio) que vingança é melhor que Justiça, prioriza as promessas de mais cadeias.

O que, ele sabe, não resolverá o problema, apenas enganará mais gente que passou a temer (sem trocadilho) a própria sombra com a replicação nos smartphones de discursos do medo.

Pior, ele cria, com isso, uma falsa dicotomia no debate. A política educacional e de segurança pública andam de mãos dadas. Precisamos de estratégias que mexam com as estruturas que permitem a facções criminosas a continuar a crescer e isso só ocorrerá com a garantia de direitos, como educação de qualidade.  Ao adotar como ponto principal de sua reação a construção de mais presídios, Temer está apenas garantindo mais escolas ao crime organizado. Pois elas ficam mais poderosas à medida em que a população de encarcerados cresce sem que haja um mínimo de condições para recebê-los e reintegrá-los à sociedade.

Se Temer não consegue ser multitarefa, peça para sair.

A verdade é que não contamos com um projeto de país.

Do desenvolvimento econômico à garantia de direitos básicos à população, o que temos apenas são ações que nascem em reação a algo. E, o pior, é que essas respostas não resolvem o problema original e ainda tiram direitos de uma parte da sociedade para que outra sinta-se tranquila. As reformas trabalhista previdenciária que o digam.

Isso não é de hoje, claro. Mas está mais evidente devido ao fato da classe política ter perdido o pudor das aparências e, não se importando com as consequências, falar o que quiser. Considerando que tem maluco que aplaude torturador à luz do dia e o machismo é algo quase institucionalizado, não me admira esse pessoal surfar na onda da falta de empatia e de informação.

O PMDB pode reclamar e afirmar que o seu Ponte para o Futuro é um projeto de país. Não, não é. Ele não discute onde estamos e o que queremos ser e ter como um povo. É um plano de entrega rápida de direitos conquistados em décadas de suor e sangue dos mais pobres com o objetivo de garantir algum crescimento econômico a grupos que apoiaram o impeachment.

E, como eu venho dizendo neste blog há tempos sobre a situação carcerária no país, a segurança pública é uma bomba que, só por milagre, ainda não estourou. Quando isso acontecer, quem está do lado de fora não terá para onde correr.

Por isso, não sou tão otimista quanto Michel Temer.

Mais do que escolas, presídios e tribunas, espero que, em 20 anos, ainda sejamos um país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.