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Leonardo Sakamoto

Oito homens têm tanta grana quanto metade do mundo. E há quem ache bonito

Leonardo Sakamoto

16/01/2017 10h40

O patrimônio somado de oito bilionários é equivalente à riqueza conjunta dos 3,6 bilhões mais pobres do planeta, ou seja, metade do mundo, de acordo com estudo da Oxfam divulgado por ocasião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Em 2010, eram 388 bilionários possuindo o mesmo que a metade mais pobre. A concentração foi aumentando ao longo dos anos até agora. E a tendência, segundo a organização, é piorar.

Os oito, todos homens, são Bill Gates, da Microsoft, Amancio Ortega, da Inditex (que controla a Zara), Warren Buffett, da Berkshire Hathaway, Carlos Slim, do Grupo Carso, Jeff Bezos, da Amazon,Mark Zuckerberg, do Facebook, Larry Ellison, da Oracle, e Michael Bloomberg, da Bloomberg.

Antes de mais nada, vale desenhar porque muita gente tem a cognição afetada quando o assunto é riqueza.

O problema não é ter dindim, erva, bufunfa, grana, mas a desigualdade de Justiça e de oportunidades ser tão gritante que dói.

O problema não é alguém ter um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro mora em um de 40. O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto o outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em Itaquera, Grajaú, Osasco, Pinheirinho, Eldorados dos Carajás, onde for.

Não é inveja, incauto leitor. É indignação diante de uma cena de terror de filme B.

A Oxfam propõe que governos aumentem impostos sobre grandes fortunas e sobre rendas mais altas e atuem para que os mais ricos não consigam adotar formas de pagar menos imposto – proporcionalmente – que os mais pobres.

As recomendações são as mesmas que este blog vem defendendo há anos. A taxação de lucros e dividendos de empresas, impostos decentes sobre grandes fortunas e sobre grandes heranças, uma alteração da tabela do Imposto de Renda (cobrando alíquotas de 35% a 40% de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média) e a redução do teto da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário são ações no sentido de desconcentrar renda.

Se alguns pagarem mais imposto, a maioria pode pagar menos, considerando que, hoje, os muito ricos pagam, proporcionalmente, menos imposto que os mais pobres.

Isso não resolve de vez os problemas do país. Mas seriam ótimas ações para indicar o tipo de sociedade que gostaríamos de construir: Um país que acredita na redução da desigualdade como elemento fundamental para o desenvolvimento coletivo ou um que tem um orgasmo coletivo toda vez que um bilionário brasileiro sobe um degrau no ranking de bilionários globais.

Sim, pobre que sente prazer com o tamanho da fortuna alheia é patologia recorrente por aqui.

Ao invés disso, vemos circular declarações de advogados de gente rica reclamando da "criminalização da riqueza" no país.

No dia em que a parte rica, a caminho da praia de domingo, seja revistada pelo poder público e tenha que voltar para casa pois é suspeita de futuros crimes (como o novo secretário municipal de Ordem Pública do Rio de Janeiro afirmou querer retomar com os mais pobres da periferia), daí acho que essa "solidariedade" de classe fará sentido. E, olha, que os crimes dos ricos são mais danosos à sociedade do que os crimes dos pobres…

Mas, afinal, não estamos falando de criminalizar quem é rico. Mas rediscutir um sistema que faz com que os muito ricos sejam ainda mais ricos, enquanto os mais pobres vão virando geleia.

O então senador Fernando Henrique Cardoso, antes de pedir que esquecessem o que ele escreveu, defendeu a taxação de grandes fortunas no Congresso Nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, antes de chamar os usineiros e não os cortadores de cana de "heróis", também defendia a redução na jornada de trabalho. O poder muda as pessoas, é fato. O pior é ter que ouvir que isso não é mudanças, apenas resultado da ampliação da consciência.

Infelizmente, estamos indo na contramão. E os mais pobres no Brasil foram, novamente, os escolhidos para pagar o pato pela crise. O governo Michel Temer conseguiu a aprovação de uma emenda constitucional que, na prática, vai impedir novos investimentos em áreas como educação e saúde pelos próximos 20 anos. Ao mesmo tempo, está propondo uma reforma da Previdência Social que fará com que trabalhadores, principalmente os braçais, sofram e talvez nem consigam se aposentar. Isso sem contar um reforma trabalhista que vai tirar direitos que garantem um mínimo de dignidade aos mais pobres.

O déficit público precisa ser equacionado e soluções amargas devem ser propostas e discutidas. Mas, como venho dizendo aqui, o governo Michel Temer demonstra um carinho grande com o andar de cima ao propor uma medida que limitará gastos públicos – o que afeta a xepa – e evitar as que tirem uma pequena lasca dos mais ricos, como as já citadas.

Entendo que este grande barco chamado Brasil seja um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou propondo uma revolução imediata para que cabines deixem de existir – apesar de ser uma maravilhosa utopia. O ideal, pra já, seria que as cabines de terceira classe contassem com a garantia de um mínimo de dignidade e as de primeira classe pagassem passagem proporcional à sua renda.

E que, ao contrário do Titanic, que tenhamos botes salva-vidas para todos e não apenas aos mais ricos.

Na prática, contudo, seguimos sendo um navio que carrega escravos, como vem se provando, com parte dos passageiros chicoteando a outra parte. Afinal, o Brasil ao invés de buscar medidas que amorteçam o sofrimento dos mais pobres, que são os que mais sentem uma crise econômica, tenta preservar os mais ricos e as associações empresariais que trocam governos e elegem representantes. Esquece (ou ignora) que democratizar a chicotada também é uma questão de Justiça social.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.