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Leonardo Sakamoto

Teorias sobre a morte de Teori mostram em qual bolha da rede você está

Leonardo Sakamoto

21/01/2017 11h07

Há muitas dúvidas envolvendo a queda do avião que levou à morte de Teori Zavascki, relator da operação Lava Jato no STF, e mais quatro pessoas, no mar de Paraty (RJ).

Como já disse aqui na própria quinta (19) da tragédia, apenas uma investigação séria e transparente, monitorada pela imprensa e pela sociedade, talvez seja capaz de dizer o que aconteceu, ou seja, se foi falha humana ou mecânica, condições metereológicas ou sabotagem da grossa.

Até lá, qualquer tentativa de cravar uma resposta é mimimi.

Mas tem um lado bom das teorias conspiratórias que surgiram no rastro do ocorrido. De certa forma, elas funcionam como um indicador que mostra em qual bolha você está inserido (OK, estou simplificando, porque não há apenas duas).

Se em suas timelines de redes sociais e mensagens de WhatsApp aparece apenas que Lula, Dilma e PT derrubaram o avião, você está em uma bolha.

Se aparece apenas que Temer, Jucá, PMDB e PSDB foram os responsáveis por sabotar, você está em outra bolha.

Se você é da minoria em que as duas teorias aparecem mais ou menos por igual, meus pêsames. Sua vida deve ser um inferno.

O mais interessante é que as pessoas não percebem que há um mundo de gente defendendo algo totalmente oposto à sua timeline porque não consegue ver além da bolha. Isso, é claro, é culpa do algoritmo das redes sociais, que garante que você veja coisas de pessoas com a qual interage mais, com a qual concorda mais. Dessa forma, você fica mais tempo na rede, gerando conteúdo de graça e clicando em links patrocinados.

O susto por conta de alguns resultados nas eleições de 2014 (muitos achavam que Aécio ia levar, por exemplo) e de 2016 (outros tantos ficaram de queixo caído com a eleição de Dória no primeiro turno) são provas disso. Ou mesmo todo o processo de impeachment.

Alguns veículos de comunicação de grande alcance, como o próprio UOL, têm se esforçado em trazer textos que separam o que é fato do que é especulação na queda do avião. Mas esses textos não chegam a quem deveria ou, lá chegando, são recebidos com desconfiança. Nem tanto pela perda de credibilidade da imprensa nesse momento de polarização estúpida em que vivemos, mas porque as pessoas estão sendo guiadas pela emoção e não pela razão.

A impressão é de que realmente querem uma conspiração para o caso por ajudar, como já escrevi aqui, a preencher um vazio deixado pela aparente falta de sentido de uma realidade política e econômica que transforma em estagiários os roteiristas de House of Cards e Game of Thrones.

Neste momento, muita gente divulga informação de sites que claramente estão alimentando teorias de conspiração ao invés de promover investigação séria. Porque esses sites não fazem jornalismo, não contam com profissionais analisando dados e entrevistando pessoas, mas caçam-cliques para ganhar dinheiro através de views em anúncios ou foram construídos como armas na guerra digital – que se fortaleceu no Brasil após a pancadaria promovida por Dilma e Aécio em 2014.

São sites que não informam os seus responsáveis, que não têm endereço, anônimos e apócrifos, produzidos para formarem opinião e manipularem as diferentes bolhas que se estabelecem na sociedade.

Até entendo as pessoas que nunca refletiram sobre isso e não veem diferença entre uma Folha de S.Paulo, um O Globo, uma Carta Capital, um Nexo, uma Ponte Jornalismo de sites que não contam com assinatura, redação, fotos de colunistas, enfim.

O primeiro grupo, independente do que acha deles, dá a cara a tapa para bater. Podem ser processados diante de informações equivocadas por um motivo: as pessoas existem e podem ser encontradas. O segundo grupo, vive no submundo, buscando gente que torce para ser enganada, sendo armas de certas organizações e políticos. Usam nomes que parecem de veículos antigos, mas dificilmente conseguem ser rastreados por um oficial de Justiça, com uma liminar de direito de resposta.

A tristeza é ver pessoas sérias, de um campo ideológico ou de outro, neste momento de extrema emoção, compartilhando esses sites e páginas abastecidas com notícias distorcidas.

Como há, pelo menos, duas bolhas defendendo que houve conspiração, está acontecendo um fato interessante: conteúdo produzido por esses sites e páginas para abastecer uma bolha, está sendo compartilhado pela outra.

Daí, sites que normalmente são criticados por um grupo como chorume estão sendo difundidos por pessoas desse grupo com comentários como "Veja o link! Ele traz provas que comprovam que não foi acidente" ou "Veja! Pelo menos isso dá o que pensar, não?". Quando abrimos, vemos conteúdo não checado, com inferências vazias, apurações mal feitas, maquinações que não passam pelo crivo lógico ou um monte de wishful thinking.

Espero que o caso seja investigado de forma transparente e rápida, como já disse. E que imprensa e investigadores não se deixem levar pelo esgoto que está circulando loucamente.

A ideia de pós-verdade, quando a emoção ao transmitir um fato é mais importante para gerar credibilidade em torno dele do que provas de sua veracidade em si, nunca pareceu tão pertinente.

Não que uma conspiração não seja possível, claro que é. Mas temos que esperar para dizer isso.

O problema é que há tanta gente que já se decidiu por essa opção que elas só aceitarão uma investigação que levar a resultados que vão ao encontro de sua opinião. Ou seja, que foi A ou B que mandou matar.

Caso contrário, se apontar falha humana ou mecânica, chuva, vento ou sabotagem envolvendo outras pessoas (como J.Pinto Fernandes que, como lembra Carlos Drummond de Andrade, estava na quadrilha, mas não havia entrado na história), perderá um pouco mais de fé em nossas já desacreditadas instituições, rangendo os dentes para o caso por toda a vida.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.