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Leonardo Sakamoto

Trump deveria banir homens brancos dos EUA para combater o terrorismo

Leonardo Sakamoto

01/02/2017 08h52

Por Mayra Cotta, especial para este blog*

O presidente do Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto, na última sexta (27), proibindo a entrada de refugiados no país por 120 dias, de refugiados sírios indefinidamente e de qualquer cidadão, mesmo os que possuem visto, do Iraque, Irã, Iêmen, Sudão, Líbia, Síria e Somália por 90 dias.

Cumprindo uma promessa de campanha aplaudida entusiasticamente por seus eleitores, Trump está fechando as portas do país a refugiados no momento em que o mundo mais conta com pessoas refugiadas desde a Segunda Guerra Mundial. Em nome do combate ao que a retórica xenófoba do Partido Republicano chamou de "islâmicos radicais", os Estados Unidos se recusam a oferecer auxílio às vítimas das guerras e conflitos muitas vezes causados ou inflamados pela própria influência norte-americana no Oriente Médio.

Em seu discurso de apresentação da medida, Trump citou repetidas vezes os ataques de 11 de setembro de 2001 como justificativa, ignorando o fato de que, dos 19 envolvidos naqueles atos de terrorismo, 15 eram da Arábia Saudita, 2 dos Emirados Árabes, um do Egito e um do Líbano. Nenhum destes países, que possuem consideráveis laços econômicos com os EUA, contudo, entrou na lista de Trump. Não apenas isso, mas os países na lista nunca tiveram qualquer um de seus cidadãos responsabilizado por um ataque terrorista em solo americano.

Se a preocupação desse novo governo é com atos terroristas e se a estratégia é usar medidas de banimento, Donald Trump deveria começar proibindo os homens brancos estadunidenses de entrarem em espaços públicos. Afinal, são eles – isto é, estadunidenses de origem norte-atlântica, homens que não são negros, nem latinos, nem asiáticos, nem árabes – os responsáveis por 64% dos ataques com armas em espaços públicos nos Estados Unidos desde 1982. Isto em um país com uma média de um desses ataques por dia.

Homens brancos que entram armados em jardins de infância, escolas, universidades, cinemas, igrejas, repartições e escritórios e começam a atirar nas pessoas ao se redor, sem necessariamente um alvo específico. Frequentemente, esses homens são membros ou entusiastas de grupos supremacistas brancos e usam ideários racistas como justificativa para suas ações.

Dylann Roof confessou ser responsável pela morte de nove pessoas após abrir fogo em uma igreja frequentada por afrodescendentes na Carolina do Sul, nos EUA, em 2015. Reconhecendo-se como

Dylann Roof confessou ser responsável pela morte de nove pessoas após abrir fogo em uma igreja frequentada por afrodescendentes na Carolina do Sul, nos EUA, em 2015. Reconhecendo-se como "supremacista branco", ele afirmou: "nossa gente é superior. Isso é apenas a verdade"

Como medida para combater atos terroristas, a proibição é, portanto, na melhor das hipóteses, inócua. Ainda que aceitássemos o argumento de que este tipo de restrição de fato acaba com a circulação de terroristas no país, o decreto assinado por Trump deixou de fora não apenas os países de onde pessoas que já se envolveram em atos terroristas eram originárias, mas também o grupo que é o principal responsável por atos terroristas em território norte-americano: os homens brancos cidadãos estadunidenses.

E são eles os protegidos por um racismo sistêmico que considera atos de terrorismo aqueles perpetrados por muçulmanos, mas enxerga a supremacia branca como uma patologia que se manifesta pontualmente em alguns indivíduos. Um árabe com uma bomba é um terrorista associado a estruturas malignas que querem destruir o país, enquanto um branco com uma metralhadora é uma pessoa com transtorno mental ou psiquiátrico, descolado de qualquer contexto que alimente, justifique ou legitime suas ações.

Evidentemente, esse governo sabe que o decreto assinado na última sexta não avançará em nada o combate ao terrorismo. A medida, contudo, será bastante eficaz para unir, em uma canetada, duas importantes forças que elegeram Donald Trump: o racismo que deseja retornar à "América Branca" e sofre ao ver o país habitado por uma profunda diversidade racial, religiosa e cultural. E a xenofobia, que põe na conta dos imigrantes a responsabilidade por todos os problemas econômicos e sociais existentes.

Desde dezembro de 2015, ainda durante as primárias, Trump falava em expulsar os muçulmanos do país e foi especialmente a partir desta proposta que o apoio à sua candidatura se consolidou definitivamente. Em um cenário politico que mostrou que nem mesmo o Partido Republicano é conservador e intolerante o suficiente para os seus próprios eleitores, a aposta de Trump de explorar o ódio como estratégia eleitoral foi um sucesso absoluto.

Trump sabe que essa é a sua base de sustentação política, essas são as pessoas que o apoiam e continuarão ao seu lado enquanto a pressão sobre o seu governo aumenta a cada dia.

(*) Mayra Cotta é advogada e pesquisadora do Departamento de Política da New School for Social Research em Nova York.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.