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Leonardo Sakamoto

Sai Teori, entra Alexandre: Por que achamos que o STF vai nos salvar?

Leonardo Sakamoto

06/02/2017 22h01

A indicação de Alexandre de Moraes para ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga aberta com a morte de Teori Zavascki deixou muita gente indignada.

Não só por conta das trapalhadas cometidas por ele durante sua gestão como ministro da Justiça e Cidadania – como a antecipação de uma operação da Polícia Federal no âmbito da Operação Lava Jato em uma palestra para simpatizantes, a espetacularização da prisão de pessoas sob o argumento de que planejavam atentados terroristas nas Olimpíadas no Rio ou simplesmente a última crise do sistema penitenciário, em que a indecisão do governo federal ajudou a agravar a situação.

Mas também por conta de seu currículo, que inclui a truculência com a qual o governo paulista lidou com estudantes que ocupavam escolas pedindo educação e merenda, contra manifestações que não fossem do agrado do poder público de plantão e a manutenção do genocídio de jovens negros e pobres na periferia da capital enquanto ele chefiava a pasta de segurança do Estado. Alexandre é filiado ao PSDB e ligado a Geraldo Alckmin. Terá que se desfiliar se o Senado Federal confirmar a indicação.

Não vou dizer que foi uma surpresa porque, como se trata do governo Temer, essa hipótese já era aventada antes mesmo da confirmação da presença de Teori Zavascki no avião que caiu próximo do mar de Paraty (RJ) ser divulgada.

E, como me afirmou em entrevista Eloisa Machado, professora da FGV Direito SP, doutora em Direito pela USP e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, o STF nunca foi uma corte progressista. Ou seja, a indicação de Alexandre de Moraes pode ser um golpe no estômago de quem tem carinho pelos direitos fundamentais, mas não é um peixe fora d'água.

Segundo ela, ao longo do tempo, o STF acabou pegando carona no mérito de outros atores, seja no Poder Executivo, no Legislativo ou do próprio Judiciário, por ser dele a última palavra sobre assuntos como a legalização do casamento homoafetivo ou o direito ao aborto de fetos anencéfalos.

Uma prova de que o STF não é progressista é exatamente a discussão sobre o direito ao aborto em qualquer circunstância, que está bem aquém de outros países que já garantiram esse direito às mulheres.

Para Eloisa, esse tribunal, que já não era progressista, agora está adotando posturas mais conservadoras, como a derrubada da inviolabilidade de domicílio, o direito de não ser preso antes do trânsito em julgado de um crime e a suspensão do direito de greve de servidores públicos.

"O Judiciário é menos sujeito aos controles democráticos. Você não vota e eles ficam no cargo para sempre para aplicar a leis sem nenhum tipo de pressão", afirma Eloísa. "Mas não é ali que se faz política. Política se faz com debates e propostas."

Segundo ela, vivemos um momento em que candidaturas com discurso apolítico ganham as eleições para o Executivo e no qual o Legislativo está em descrédito. Nesse contexto, muitos esperam que a resolução dos problemas da vida nacional seja dada aos altos magistrados.

Mas a Suprema Corte não poderia ter mais peso que os outros poderes nas decisões do futuro do país, afinal é isso o que prega o sistema de pesos e contrapesos de uma democracia.

A indignação (e o desespero) pela indicação de Alexandre de Moraes para a vaga do STF esconde não apenas a percepção do aumento do conservadorismo da corte diante de um ponto de vista progressista, mas também é o resultado da percepção de que, ao final, o Supremo irá "nos salvar".

Ou seja, isso é o sintoma de que nossas instituições vão mal. O descrédito no Legislativo, como arena de resolução de conflitos e tensões, e no Executivo, como estrutura de execução de políticas que tirem do papel os direitos fundamentais, faz com que olhemos para o STF como guardião do país. Uma bobagem, uma vez que os ministros também possuem interesses e preconceitos.

Claro que em um ambiente de equilíbrio institucional e de bom funcionamento da democracia, não seria possível imaginar um ministro de Estado gravando um presidente da República para se proteger de ataques do próprio governo e denunciar desvios de função. Muito menos um outro ministro de Estado usar seu cargo para tentar liberar um embargo de um prédio, no qual ele tem um apartamento de luxo, imposto pelo órgão de patrimônio histórico.

Porém, iniciado, o processo de derretimento das instituições e do respeito da população a elas não pode ser freado do dia para a noite. E não é o STF que vai segurar isso.

Como já disse aqui, isso demanda nova pactuação política e social, aliada a muito suor em articulações para a construção de consensos. Ou seja, a dúvida que fica é se a reação em cadeia não é inevitável e nos levará inexoravelmente para o buraco.

A impressão, por enquanto, é que todo mundo representa a si mesmo e aos interesses do seu grupo, corporativo, econômico, político. O bem do país? Foda-se.

Em tempo: E, diante de tudo isso, há quem diga que a possibilidade da indicação do ultraconservador Ives Gandra Martins Filho era apenas um bode na sala.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.