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Leonardo Sakamoto

Você poderá ter que trabalhar 14 horas diárias sem receber horas extras

Leonardo Sakamoto

10/02/2017 08h10

Por André Campos, para a Repórter Brasil

A reforma trabalhista do governo Michel Temer pode permitir que horas de trabalho antes remuneradas como horas extras sejam incorporadas à jornada normal sem pagamento adicional.  Atualmente, todo empregado que faz hora extra tem direito a receber um adicional de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal.

Isso acontece porque a proposta permite que sindicatos e empregadores negociem jornadas de até 220 horas mensais, mas não estabelece critérios claros para diferenciar o que seria, dentro desse limite, horário regular ou trabalho extraordinário.

"A intenção é justamente permitir acordos coletivos com jornadas longas, de 10, 12 ou até 14 horas num dia, sem o pagamento de horas extras", avalia Valdete Severo, juíza do Trabalho no Rio Grande do Sul.

Na ponta do lápis, o prejuízo ao trabalhador pode ser grande. Alguém que ganha dois salários mínimos, R$ 1.874,00, pode perder cerca de R$ 366,28 por mês – o equivalente a 20% da renda. Isso aconteceria no caso desse funcionário trabalhar todas as 220 horas mensais previstas na proposta, o que soma 2.640 horas ao ano. De acordo com as regras atuais, ao menos 344 horas na jornada anual desse funcionário seriam horas extras.

Esta é, na verdade, uma estimativa conservadora. As perdas do trabalhador seriam ainda maiores se levássemos em conta os feriados e os casos de trabalho aos domingos, quando as horas extras precisam ser pagas com 100% de acréscimo.

Trabalhador exausto no metrô de Tóquio, onde a negociação entre trabalhador e empresa decide a jornada - como acontecerá no Brasil se a reforma trabalhista passar. Foto: Coal Miki/Flickr

Trabalhador exausto no metrô de Tóquio, onde a negociação entre trabalhador e empresa decide a jornada – como deve acontecer no Brasil se a reforma trabalhista passar como está. Foto: Coal Miki/Flickr

Menos que o salário mínimo – Outra mudança importante será na remuneração por produtividade, que passa a ficar sujeita aos arranjos feitos em acordos e convenções coletivas. O maior receio é que isso desobrigue empregadores a pagar o piso de categorias ou até mesmo o salário mínimo. Para Jorge Ferreira dos Santos Filho, coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais, esses são problemas que já acontecem na prática no meio rural, mas que são passíveis de punição pela justiça.

Um exemplo é a colheita do café. Trabalhadores recebiam menos do que o salário mínimo em ao menos metade de 30 cafezais inspecionados pelo Ministério Público do Trabalho na região sul da Bahia entre maio e agosto de 2016. Segundo o procurador Ilan Fonseca, que coordenou as ações, a remuneração da lata – medida de aproximadamente 60 litros onde os empregados colocam o café colhido – gira em torno de R$ 2 a R$ 4, dependendo do local. "Muitos, especialmente os mais idosos, não conseguem receber mais do que R$ 500 ou R$ 600", relatou o procurador.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.