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Leonardo Sakamoto

Reforma deveria ajustar e não destruir a Previdência, dizem especialistas

Leonardo Sakamoto

15/03/2017 17h01

O governo Michel Temer propôs mudanças radicais na aposentadoria de milhões de brasileiros. Sob a justificativa de que a Reforma da Previdência Social deve ser aprovada do jeito que foi enviada ou o Brasil caminhará para o juízo final, a proposta inclui a imposição de uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, 49 anos de contribuição para obter aposentadoria integral e fim da aposentadoria especial para trabalhadores rurais.

Poucos questionam que mudanças no sistema de Seguridade Social são necessárias. O sentido e o alcance delas mudanças é que estão em disputa neste momento.

Qual a real situação da Previdência Social? E o que está sendo desconsiderado no debate? Quais alternativas economicamente viáveis ao projeto do governo para garantir que tenhamos um sistema de proteção social no futuro? Como a Reforma Trabalhista vai impactar a Previdência Social?

Para falar sobre o tema, entrevistei Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política Social. E Marcus Orione, professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ligado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social.

De acordo com eles, o "déficit" da Seguridade Social (R$ 258,7 bilhões/ano) ocorre porque o próprio governo, de forma inconstitucional, considera as aposentadorias do funcionalismo público federal como parte integrante da Seguridade Social – que envolve a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde Pública (incluindo o SUS). Segundo os entrevistados, isso mostra o desprezo do governo federal com a Constituição.

Os entrevistados dizem que o governo faz projeções catastrofistas mas não tem um modelo de previsão para os próximos 40 anos – ou não conta para ninguém qual é. E perguntam a razão do país não realizar um debate amplo sobre o seu futuro e o de sua Previdência Social.

Nosso sistema de Seguridade Social envolve, além da Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde Pública. A Assistência atua em contingências, por exemplo, um idoso que não puder prover a sua subsistência recebe um benefício de um salário mínimo ou programas de complementação de renda a famílias pobres. E a Saúde, responsável pela proteção da integridade física e psíquica, envolve o Sistema Único de Saúde (SUS). Quando os constituintes de 1988 pensaram na Seguridade Social, tomaram o modelo europeu como base, com financiamento por empregadores, trabalhadores e governos. No Brasil, o artigo 194 da Constituição Federal diz que a Seguridade Social é formada por esses setores e o 195 afirma que o financiamento deve ser tripartite.

Neste post, a entrevista, realizada no estúdio da TV UOL, foi resumida e reorganizada por temas. O vídeo será disponibilizado em outro post.

BLOCO 1 – Situação da Previdência Social Brasileira

1) Há um "déficit" na Previdência Social?

Eduardo Fagnani – No Brasil, desde 1989, o governo tem passado a mão nos recursos da Seguridade Social e contabilizado as receitas da Previdência só com recursos do empregador e do empregado. O que é o déficit? O déficit é a parte de contribuição pelo governo que não é feita, em um ambiente em que se desconsidera que a Previdência Social é parte integrante da Seguridade Social.

Marcus Orione – Se você fizer um percurso a partir dos anos 2000 até hoje, vai verificar que houve uma retirada de dinheiro extremamente significativa do caixa da Seguridade Social por sucessivas emendas constitucionais de governos diferentes, possibilitando aportar esses valores em outras áreas. Só em 2002, quando o suposto déficit era de R$ 2 bilhões, decretos tiraram dinheiro até para comprar bola de futebol. Estamos desviando dinheiro, diminuindo direitos, reduzindo o caixa.

Eduardo Fagnani – Se o governo contabilizasse sua parte no sistema de Seguridade Social, como diz a Constituição da Republica, não haveria déficit. Ele sempre foi superavitário mesmo com R$ 160 bilhões de renúncias e isenções sobre a própria Seguridade Social, mesmo com cerca de R$ 60 bilhões que se retira por conta da Desvinculação das Receitas da União [mecanismo que permite o governo usar recursos de uma área em outra, como para o pagamento de juros de sua dívida]. Só pra ilustrar: em 2015, dizem que a Previdência Social teve um déficit de R$ 85 bilhões. Pergunto como posso falar em déficit se, nesse mesmo ano, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) arrecadaram R$ 320 bilhões juntas e nem um centavo foi utilizado para pagar esses R$ 85 bilhões da Previdência? Grande parte desses impostos vai para a Saúde, mas a área econômica administra livremente uma parte desses recursos para outros fins. Como é que você pode falar em déficit se existem fontes institucionais asseguradas? Como é que pode falar de déficit da Previdência Social se a Seguridade Social é superavitária e a Previdência é parte da Seguridade Social?

2) Por que o governo, então, aponta um déficit nas contas?

Eduardo Fagnani – A Constituição Federal não diz que o servidor público federal, estadual ou municipal é parte da Seguridade Social. Mas o Brasil pega receitas da Seguridade Social e coloca despesas das aposentadorias do funcionário publico. Daí, o ministro da Fazenda vem a público dizer que o rombo da seguridade social hoje é de R$ 200 bilhões. Como que um pais sério faz desinformação vindo de autoridade pública? Não é produtivo ao debate colocar a Previdência do trabalhador privado, o INSS, com a Previdência do setor publico, como se fosse uma coisa só.

A reforma da Previdência do setor publico começou em 1998 e, desde então, houve um longo processo de regulamentação constitucional que foi concluído em 2012. Ela estabelece um teto, nenhum beneficio pode ser maior do que R$ 5 mil. Um juiz que ganha R$ 30 mil vai receber esse teto ao se aposentar. Se ele quiser mais, tem que contribuir para um fundo para que lá em 2050, quando ele for se aposentar, poder ter a aposentadoria integral, igual ao salário dele. Essa reforma acabou de ser feita. Nenhuma reforma em nenhum lugar do mundo produz resultado imediato.

Lançamos o documento chamado "A Previdência Social em 2060: As inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro" (clique aqui para baixar) Ele mostra que o governo faz projeções catastrofistas mas não tem modelo atuarial, modelo de previsão. Quais são as premissas que baseiam as projeções daqui a 60 anos? Qual a taxa do PIB que ele considera? Quais são as variáveis que se utilizam? Existem esses modelos? Se existem modelos, a sociedade não os conhece. Porque eles são guardado a sete chaves? Por que que nós não fazemos um debate amplo sobre quais são as variáveis que são utilizadas para projetar coisas daqui a 40 anos?

Marcus Orione – Por aqui, não se consegue ver a Previdência junto com Assistência, junto com Saúde. Precisamos reverter esse quadro e começar a perceber que, por exemplo, se esse dinheiro fosse bem utilizado na Saúde, o número de auxílios-doença da Previdência Social se reduziria. Se você tivesse uma quantidade de proteção adequadamente composta em Assistência Social, contaríamos com uma proteção a idosos e a pessoas com deficiência muito mais eficiente. Como a gente tem o hábito de pensar essas realidades estancadas, mesmo que o dinheiro circule no próprio sistema, ele não é um sistema efetivo como um todo, porque um está onerando o outro pela ausência e carência que cada um desses tem.

O discurso e a prática que secciona cada um desses itens como se fossem diferentes e não organicamente tem um sentido de uma passagem de um modelo de proteção social, que foi desejado constitucionalmente em 1988, por um modelo de total desproteção social e de arranjo com o mercado.

Entrevista com os professores Eduardo Fargnani (Unicamp) e Marcus Orione (USP)

3) Por "arranjo com o mercado", você quer dizer privatização?

Marcus Orione – Esse é o ponto desse projeto: a privatização da Previdência. Esse é um grande quinhão que eles querem pegar. Com essa limitação de idade, com essas dificuldades de acesso ao beneficio que estão sendo propostas, você vai jogar trabalhadores para os fundos privados.

4) Que outras informações erradas estão nesse debate?

Eduardo Fagnani – É um debate feito em cima da pós-verdade. Eu posso colocar aqui meia dúzia de mitos e falácias que não correspondem à verdade e que povoam esse debate há mais de 30 anos. Por exemplo, que o gasto da Previdência é o maior do Brasil. Sendo que, em 2015, gastamos de juros R$ 503 bilhões e, com a Previdência e seguridade, R$ 460 bilhões. Só que a Previdência beneficia 30 milhões de famílias e os juros beneficiam a quem? Milhares de rentistas. O que está errado? A Previdência ou o sistema macroeconômico brasileiro?

Outros: "o Brasil é o único país do mundo que não possui idade mínima para aposentadoria", que as aposentadorias no Brasil são "precoces", que o sistema brasileiro é "generoso", que "se nada for feito hoje, em 2060, o Brasil, o país vai quebrar".

Nós temos ao lado de uma Reforma da Previdência, uma Reforma Trabalhista que aumenta o nível de terceirização, o nível de precarização das relações de emprego. O grande lance é que o sistema esta sendo arcado pelo trabalhador, quando na verdade deveria ser arcado por todos. Se você começar a reverter este quadro e pensar em mais ingresso do próprio setor publico e mais contribuição proporcionalmente por setores de atividade econômica que têm crescido começamos a deslocar o pensamento. Porque nossos mitos estão todos concentrados em verdades frágeis.

BLOCO 2 – Análise da proposta do governo federal

5) A Reformas da Previdência Social e a Reforma Trabalhista, então, batem de frente?  

Eduardo Fagnani – Essa Reforma da Previdência que está sendo encaminhada tem o potencial de quebrar financeiramente o INSS. Há no mercado 40% de trabalhadores informais, aproximadamente, que não contribuem para Previdência. Somada à Reforma Trabalhista, que está tramitando no Congresso e vai aumentar a terceirização, uma massa talvez da mesma magnitude ou um pouco maior também se torne informal e também não vai contribuir para a Previdência.

Um jovem que perceba que, para se aposentar com 65 anos, tenha que entrar no mercado de trabalho aos 16, contribuindo durante quase meio século, ininterruptamente, para conseguir se aposentar, vai pensar "se eu não vou usar, para que vou pagar então?" Você vai ter uma camada enorme de pessoas que talvez não entre no sistema. Ao mesmo tempo, o trabalhador rural não tem condições de contribuir mensalmente para a Previdência Social. As camadas de mais alta renda, diante desse marketing absolutamente catastrófico que se faz da Previdência, também vão para o setor privado. Então, se você somar as expulsões que vão vir por conta do mercado de trabalho e as migrações por conta da privatização do sistema, pode criar para daqui a dez, 20 anos uma subtração brutal de receitas.

Daí, sim, você vai quebrar a Previdência Social. O lema enganoso do governo é: reformar hoje para preservar amanhã. Mas a verdade é: reformar hoje para quebrar financeiramente amanhã. Hoje, as pessoas que são aposentadas dizem: "eu já estou aposentada a reforma não vai bater em mim". Vai sim, porque pode daqui a dez, 20 anos não vai ter dinheiro para te pagar.

6) O governo quer equiparar a aposentadoria de 65 anos de idade mínima para homens e mulheres. Como que os países centrais resolveram a questão de gênero na Previdência? O Brasil está condenado a um "patriarcalismo previdenciário"?

Marcus Orione – É uma simplificação dizer que, em outros países mais desenvolvidos, a idade é igual. A idade é igual porque as condições de proteção da mulher no mercado de trabalho são completamente distintas. No Brasil, não tem proteção nenhuma. A mulher trabalha em casa, depois vai para a jornada fora e volta para cuidar dos filhos. E o homem, abdicando do ambiente doméstico. Há países mais desenvolvidos que contam com igualdade na idade entre homens e mulheres. Mas a estrutura do mercado de trabalho nesses países é completamente diferente. Há proteção da Seguridade Social e o homem também é um cuidador do ambiente doméstico. Vários sistemas de Seguridade Social no mundo igualam idade, mas ao mesmo tempo garantem sistemas de creche e licenças-paternidade maiores para o homem ficar em casa tomando conta das crianças.

Eduardo Fagnani – A mulher, no Brasil, trabalha por semana cerca de 8 horas a mais que o homem por conta do trabalho doméstico. Outra questão, o papel reprodutivo da mulher e o tempo que ela fica fora do mercado de trabalho. A competição com o homem é desigual, porque ela não tem promoção, não tem cargo de chefia, ganha cerca de 30% a menos que o homem pela mesma função e, por essa mesma razão, sua taxa de desemprego é muito mais alta. Não é correto tentar inspirar a reforma brasileira nos países desenvolvidos, porque o Brasil não conseguiu resolver sequer as desigualdades sociais do século 19.

Marcus Orione – As pessoas não podem ver isso como privilégio. Isso é o que a gente chama no direito de igualdade material, ou seja, tratar os desiguais na medida de sua desigualdade.

Marcus Orione, professor livre-docente de Direito na Universidade de São Paulo, ligado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social

7) A proposta do governo quer equiparar a Previdência dos trabalhadores urbanos com a dos rurais. O Brasil contava com cerca de 14 milhões de trabalhadores no campo em 2013, sendo 1,6 milhão de empregados com carteira assinada e 2,4 milhão de empregados sem carteira assinada (Dieese/IBGE). A Previdência Rural ainda abranda a miséria no campo. Como resolver a questão?

Eduardo Fagnani – Isso parece um esculacho. O princípio da Seguridade Social afirma que todas as pessoas têm direito a ela, mesmo aquelas que não podem contribuir. Quem paga a parte daqueles que não podem contribuir? A sociedade como um todo através dos impostos gerais. Em 1988, quando o Brasil criou as regras da aposentadoria rural, havia milhões de trabalhadores rurais que começaram a trabalhar na década de 40, 60, em condições de semi-escravidão. O que eu faria com essa pessoas quando elas se aposentassem? Deixaria elas na rua, pedindo esmola, ou a sociedade asseguraria um salário mínimo por mês?

A Previdência rural tem um papel extraordinário de fixação das pessoas no campo, o sujeito não vai para a cidade porque tem renda para ficar em sua casa, evitando o inchaço de grandes cidades. A zona rural do Nordeste tem 70% da pobreza extrema do Brasil. O que essa reforma está fazendo é impor a este trabalhador rural regras mais severas do que aquelas impostas ao trabalhador urbano da Dinamarca. Desde 1997, o agronegócio exportador é isento de contribuir com a Previdência Social, ou seja, para a Previdência rural. Se a Previdência está quebrada, como se mantém isento um setor que é responsável por mais que a metade das exportações?

Marcus Orione – Historicamente, havia uma contribuição sobre o resultado da comercialização de produtos agropecuários que atendia o antigo Funrural e valores menores de benefícios, ou seja, não havia nada que fosse "de graça" para os exportadores.

8) Qual a avaliação geral da proposta do governo federal?

Eduardo Fagnani – Nós estamos rasgando o Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que diz que toda a pessoa tem direito à proteção na velhice. A proposta está igualando a todo mundo a um mínimo de 65 anos, 49 com anos de contribuição para aposentadoria integral e 25 anos para parcial – homens, mulheres, rurais, urbanos, servidores públicos e empregados do setor privado. Enquanto isso, nas regiões mais pobres do país, de 65 a 70% do mercado de trabalho é informal, a rotatividade do trabalho é muito grande, as pessoas contribuem com oito ou nove meses, pois não conseguem ficar no trabalho o ano inteiro. Mais de 80% das pessoas se aposentaram com menos de 20 anos de contribuição – hoje para se aposentar você precisa de 15 anos, dificilmente alguém vai conseguir comprovar 25 anos de contribuição e muito menos 49 anos.

Em São Paulo, a expectativa de vida é de 76 anos, mais que a média nacional. Nas regiões dos distritos mais ricos é 78, em quatro subdistritos é 54, como Cidade de Tiradentes. Esse retrato da cidade de São Paulo, você pode expandir para o Brasil. Nós fizemos um estudo mais de 5500 municípios brasileiros – 65% dos municípios conta com Índice de Desenvolvimento Humano próximo de país africano.

BLOCO 3 – Alternativas à proposta em discussão no Congresso 

9) Quais são as alternativas à proposta do governo?

Marcus Orione – Tenho assistido, nesses 25 anos em que lido com matéria previdenciária, a uma sucessiva queda de direitos. Pessoalmente, acho que temos que mudar o foco, não podemos mais lutar pela permanência de direitos. A luta por direitos é uma luta insana e inglória porque tem representado um acúmulo de perdas e não um histórico de ganhos. Nas Jornadas de Junho de 2013, qual foi a grande proposição que levou as pessoas à rua? políticas públicas.

Ou nós restituímos o conceito de classe trabalhadora, entendemos o que seja classe trabalhadora e, a partir da lógica da classe trabalhadora, construímos proposições de políticas públicas ou vamos voltar a vazios – como aconteceu após junho de 2013. Há quem fale que não existe mais classe trabalhadora, só questões de gênero, de raça, a classe trabalhadora se desfez. Isso é um absurdo, a falta de empregados no sentido formal não significa um esvaziamento de um conceito. Existe um divisor muito claro: as pessoas que vivem da venda da força de trabalho e as pessoas que exploram a venda da força de trabalho de outros. Então, se tivermos isso bem claro, não vamos ficar nessa guerra de todos contra todos.

Nesse sentido, as greves gerais de trabalhadores devem ser incentivadas sim. E, neste instante, a pauta tem que ser a devolução à classe trabalhadora da dinâmica da construção de uma política pública que interessa aos trabalhadores. A minha pauta de solução passa necessariamente pela produção acadêmica, pelos movimentos sociais, pela luta social. Sem isso não tem solução possível.

Eduardo Fagnani: Elaboramos outro documento com mais de 30 especialistas chamado "Previdência: Reformar para excluir?" com alternativas. Não sou contra a Reforma da Previdência, é normal que você faça, que ajuste o sistema. Nossas propostas vão na questão do financiamento da Seguridade Social.

Primeiro, não precisa aumentar nenhum imposto. A sustentação financeira da Previdência exige que a Constituição da República seja cumprida. Pois, como já dissemos, a Seguridade Social é superavitária e a Previdência faz parte da Seguridade. Temos que acabar com as isenções previdenciárias. O agronegócio tem que contribuir. Não tem cabimento clube de futebol ter isenção. O governo também tem que fiscalizar. A dívida ativa da Previdência saltou de algo em torno de R$ 180 bilhões para algo de R$ 400 bilhões nos últimos anos. Sabe quanto que a Receita Federal consegue arrecadar de volta? Menos de 1%. Outro dado: se a economia cresce, aumenta o emprego, o salário, o consumo. Não é possível pensar em uma alternativa sem o crescimento econômico. Pois, se a economia não crescer, não é que a Previdência que é inviável, o pais é inviável. E quando economia cresce, a Previdência urbana é superavitária. Quando você faz a economia cair 7% do PIB em dois anos, não há receita, então esse é o problema.

O ministro da Fazenda e o secretario-executivo da Previdência dizem que a reforma vai economizar R$ 700 bilhões em 10 anos. Ou seja, ele quer economizar R$ 70 bilhões por ano. Mas nós gastamos por ano R$ 500 bilhões de juros da dívida, o governo federal deixou de arrecadar por ano R$ 280 bilhões por conta de isenções globais, em 2015, tributárias a grupos econômicos, a sonegação fiscal global no Brasil chega a R$ 500 bilhões por ano. Se eu somar apenas esses três pontos, estamos falando de R$ 1,2 trilhão/ano. Vamos supor que o governo federal fale que, desse montante, vai querer melhorar a receita em 30%. Estamos falando de 400 bilhões, mexendo nos juros, nas isenções e combatendo, de fato, as sonegações. São R$ 400 bilhões contra R$ 70 bilhões.

Hoje, há uma divida ativa da União de quase R$ 2 trilhões de gente que não paga o imposto e não há fiscalização suficiente. Ao mesmo tempo, o governo acabou de conceder um novo perdão de dividas. Não vamos resolver nenhum problema do país se não enfrentarmos as inconsistências do regime macroeconômico brasileiro. O problema fiscal brasileiro não é o chamado gasto primário em Saúde, Educação, Previdência. Entre 2015 e 2016, a dívida bruta em relação ao PIB cresceu 10% – 1,8% foi com os gastos primários, o restante são os juros. O problema fiscal brasileiro é a despesa financeira.

Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho e coordenador da rede Plataforma Política Social

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.