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Leonardo Sakamoto

Previdência não é uma questão de direita ou esquerda. É o futuro em jogo

Leonardo Sakamoto

17/03/2017 13h46

A manifestação contra as Reformas da Previdência e Trabalhista, na última quarta (15), na avenida Paulista, teve um caráter diferente dos protestos convocados contra o impeachment ou o governo Michel Temer. O público era – para preocupação do governo federal – bem mais plural do que de costume. A impressão não é apenas minha mas também de outros colegas jornalistas que foram ao ato.

Lula estava por lá e ainda é um imã de multidões. Mas nem todos eram sindicalistas e simpatizantes de partidos que se afirmam à esquerda no espectro político. E nem todos estavam lá sequer para ouvi-lo ou mesmo prestaram atenção a seu discurso.

De professores das redes pública e privada, passando por estudantes do ensino médio e universitários, grupos e coletivos feministas, representantes do movimento negro, defensores da mobilidade urbana, famílias que lutam por terra e moradia até pessoas que estiveram nos protestos pela queda de Dilma e são abertamente antipetistas, a diversidade mostrava que uma parcela mais ampla da sociedade começou a perceber que será diretamente afetada pela mudança nas regras da aposentadoria. Ao mesmo tempo, em páginas de movimentos que se destacaram no impeachment, ondas de seguidores pertencentes à classe média e média alta criticam seus líderes por defenderem a Reforma da Previdência da forma como está no Congresso Nacional.

Faço o relato com base em São Paulo, porque aqui estou, mas creio que o mesmo caleidoscópio se repetiu em protestos de outras cidades brasileiras.

O que se juntou foi um ecossistema complexo, maior que as frentes populares que convocaram o ato, com grupos que não raro batem de frente entre si e que, por isso, não podem ser comandados por ninguém – o oposto, portanto, do que afirmam alguns analistas que viram nos manifestantes contrários às reformas um bando de zumbis sem vontade própria. Pelo contrário, eram pessoas que, mais do que seguirem um líder, estão insatisfeitas diante da própria percepção de perda direitos.

O que faz sentido. O pressuposto de uma pessoa ter garantido seu direito à qualidade de vida quando for mais velha não é uma questão de direita ou de esquerda. É o que está escrito no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada nas Nações Unidas, por países capitalistas e socialistas, em 10 de dezembro de 1948.

Equiparar a aposentadoria rural (hoje, em 60 para homens e 55 para mulheres e sem necessidade de contribuição) à urbana, que vai para um mínimo de 65 anos de idade e 25 de contribuição, e subir para 70 anos a idade em que os muito pobres podem acessar o benefício assistencial de um salário mínimo é simplesmente inacreditável em um país no qual cortadores de cana e pedreiros morrem de tanto trabalhar. Aumentar a possibilidade de negociação entre patrões e empresas, deixando os destino nas mãos de certos sindicatos fracos ou corruptos é pedir para dar problema. Possibilitar a empresas responsabilizadas por trabalho escravo a saírem impunes como consequência da ampliação da terceirização legal sem os devidos cuidados é a prova de que a civilização deu errado por aqui.

Não acredito que isso signifique uma união de todos contra o governo federal, longe disso.

Nem que grupos considerados de esquerda ou progressistas resolveram caminhar juntos – há abismos entre movimentos sociais tradicionais e sindicatos e novos movimentos urbanos e coletivos, difíceis de serem transpostos no curto prazo, mesmo com toda a autocrítica devido a visões diferentes de mundo.

Muito menos que a maioria das pessoas que apoiou o impeachment esteja arrependida – creio que boa parte segue orgulhosa e com a sensação de dever cívico cumprido por ter, em sua opinião, ajudado a combater a corrupção.

Acredito que isso significa que as coisas não serão tão fáceis para o governo Temer, que antes pensava que aprovaria tudo em um piscar de olhos e sem resistência. E, agora, discute o reforço de uma "guerra de comunicação".

À medida em que informação flui, as pessoas estão mais preocupadas com seu futuro. Sabem que alterações precisam ser feitas, mas discordam da forma como a proposta está sendo discutida, ou do prazo de transição de modelo, ou da intensidade da mudança, ou das categorias privilegiadas e imunes, ou da diferença do sacrifício de pobres e ricos para manter o sistema de Seguridade Social funcionando.

Mudanças são necessárias na Seguridade Social (que envolve Previdência, Assistência e Saúde) e na CLT. A discussão é como fazer o debate sobre essas mudanças: a toque de caixa e de forma restrita, para agradar a determinados setores econômicos? Ou de forma ampla, considerando opiniões e cálculos diferentes com o intuito de formular a melhor proposta, com ricos e pobres pagando a conta de acordo com suas possibilidades, visando não apenas ao futuro das aposentadorias e do emprego, mas também da qualidade de vida de todos os brasileiros?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.