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Leonardo Sakamoto

Primeiro de Abril: Como uma mentira se torna verdade na internet

Leonardo Sakamoto

01/04/2017 18h27

Uma mentira nas redes sociais muitas vezes se parece com uma cebola.

Por fora são grandes e sólidas. Mas retirando casca por casca o que encontramos lá dentro? Nada. Só ar.

E isso vale para que cebolas de direita, de esquerda, de centro que, ao serem abertas, fazem os olhos arder.

O processo funciona dessa forma:

1) Um site, página ou perfil de rede social que não informa seus responsáveis ou que usa pseudônimos de pessoas que não existem como responsáveis publica um texto com uma notícia falsa.

2) Um segundo site, página ou perfil, que pertence à mesma pessoa ou grupo do anterior, compartilha aquela publicação em sua rede, chamando atenção para o conteúdo.

3) Um terceiro site, página ou perfil, que também pertence à mesma pessoa ou grupo dos anteriores, compartilha a publicação do segundo site.

4) Um quarto site, página ou perfil, que, novamente, faz parte da patota, compartilha a publicação do terceiro site. E assim sucessivamente a depender do tamanho da mentira que se quer construir.  Quanto mais externa a camada dessa "cebola" digital, maior o número de seguidores ou a proeminência.

Na hora de ser cobrado a respeito da origem das informações, o quarto site, página ou perfil afirma que a informação veio de outro site, confiável, e que um monte de gente na rede já está falando nisso. Como há quem acredite que um número grande de likes significa reputação, constrói-se credibilidade em cima de uma mentira pelo número de pessoas que acreditam nela.

Uma informação inverídica, como o falecimento de alguém que ainda está vivo, replicada e reproduzida à exaustão, torna-se verdadeira porque é validada coletivamente. Mesmo que o coletivo não tenha sido capaz de parar, respirar, checar e analisar no sentido de validar qualquer coisa.

Raramente alguém tem tempo ou paciência para procurar quem primeiro divulgou o conteúdo e verificar se é um texto baseado em apuração atenciosa com o objetivo de informar ou montado de maneira sacana a fim de construir ou desconstruir percepções, candidaturas ou biografias.

O nome do site, página ou perfil, normalmente, tenta imitar de veículos tradicionais da imprensa ou passar a imagem de uma fonte de conteúdo séria. Mas, não raro, está hospedada em um servidor fora do país em uma conta anônima ou sob a proteção de um laranja.

Como muitos leitores têm a tendência de considerar verdadeiro todo conteúdo com a qual concordam e mentiroso, aquele do qual discordam, tratam de pulverizar o material distribuído pelas diferentes camadas da cebola. Para eles, não é informação que está sendo disseminada, mas munição para uma batalha que acreditam estar sendo travada online.

Uma informação errada ao ser divulgada causa um impacto negativo contrário maior do que sua correção. Ou seja, muitas vezes, o desmentido (por ser mais sem graça, ir de encontro às crenças individuais ou demonstrar que os envolvidos erraram ao passar a fofoca adiante) não chega tão longe quando a denúncia.

O ideal nunca será censurar previamente conteúdos, porque isso vai contra a liberdade de expressão e, na prática, é inútil. Contudo, quando eles se configuram como crimes, devem ser passíveis de punição por quem se sentiu ofendido, a posteriori.

O que precisamos urgente é de uma educação para a mídia. Ou seja, capacitar crianças e jovens para entender que as informações que consomem podem não ser baseadas em fatos reais. E mesmo o que chamamos de "fato real" pode ser apenas uma das muitas interpretações possíveis sobre um acontecimento. E que argumentos podem ser refutados e nada é absoluto. Isso sem falar de opinião: cada um pode ter a sua, o que não faz dela a única ser respeitada.

Precisamos, também, fomentar a cultura política e o hábito do debate saudável. Junto com senso crítico desde pequena.

O problema é que tem muita gente que adora cebola. E tem nojinho de educação.

Em tempo: Para quem tem curiosidade sobre o tema, trato bastante de notícias falsas e ódio e intolerância no meu livro "O que aprendi sendo xingado na internet", pela Editora Leya. 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.