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Leonardo Sakamoto

Dez sintomas de que você virou um hater e nem percebeu

Leonardo Sakamoto

04/04/2017 09h49

Talvez não saiba, mas pode ter sido mordido por um zumbi devorador de cérebros, daqueles que compartilham e fomentam ódio e intolerância na internet. E, agora, transformado em um morte vivo guiado pelo seu grupo sem capacidade de reflexão individual, espuma raiva, contaminando outras pessoas. Ao contrário do que se imagina, você não precisa ser um figurante de Walking Dead a vida inteira, pois isso tem cura. Que começa por um diagnóstico. Veja dez sintomas de que você se tornou um hater e nem percebeu:

1) Não consegue travar dois minutos de debate sem mandar alguém para algum lugar – "vsf", "vam","vtnc", "vppqtp", "volta pra Cuba", "vai para Curitiba".

2) Acredita que a qualidade de um argumento se mede em decibéis – ou seja, quanto mais alto alguém grita num debate público, mais convicção tem sobre as próprias ideias e, portanto, razão.

3) Acha que existe uma "ditadura do politicamente correto" num país racista, machista e homofóbico como o nosso. E que ir contra "direitos humanos" é ser contracorrente, quando é o comportamento mais tradicional e lugar-comum desde antes de seus avós.

4) Numa conversa pessoal ou num debate, interrompe bruscamente quem está com a palavra. E se reclamam disso, afirma imediatamente que foi você e não a outra pessoa a vítima de cerceamento de liberdade de expressão.

5) Xinga um texto tendo lido apenas seu título, construindo uma rede de significados com minúsculos fragmentos do mundo. É como a pessoa que acha que está bem informada por avistar, todos os dias, uma banca de jornal de dentro de um ônibus em movimento.

6) Usa normalmente a "morte" como elemento retórico em um debate, tornando corriqueiras expressões como "vou te matar", "você merece morrer", "espero que alguém estupre sua mãe", "tem gente que deveria ser preso e violentado", "desejo que você sofra até morrer".

7) Ataca um posicionamento contrário dizendo que seu autor não tem a mínima credibilidade, mas sem passar nem perto de refutá-lo com fatos. Pelo contrário, acha que quem precisa usar fatos é porque tem posicionamentos fracos sobre o mundo.

8) Chama de "verdade" só aquilo com a qual concorda e de "mentira" tudo do qual discorda. E, com base nisso, cria sua noção de "bem" e de "mal", excluindo-se sempre deste último. E, a partir daí, elege seus "heróis" e "vilões". E vai à guerra, que considera santa, para matar ou morrer.

9) Na opinião dos vizinhos é um "homem de bem", "mãe carinhosa", "trabalhador exemplar", "pessoa tranquila", mas, diante de um computador ou um celular, liberta-se e é capaz de torturar alguém com as próprias mãos, adotando requintes de crueldade.

10) É completamente incapaz de assumir a responsabilidade por seu próprio ódio. Se, de forma educada, é acusado de algo, adota um comportamento de criança mimada e procura encontrar formas de mostrar que a crítica não é válida porque o acusador faz a mesma coisa, afirma que a crítica é "ideológica"  ou diz que a culpa é de outra pessoa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.