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Leonardo Sakamoto

Previdência: Deputados perceberam que apoio à reforma pode custar reeleição

Leonardo Sakamoto

06/04/2017 13h28

A maior parte dos deputados federais (pelo menos a que diz representar as classes média e pobre e deseja se reeleger em 2018) afirma ser contrária à proposta de Reforma da Previdência enviada ao Congresso Nacional pelo governo Michel Temer.

Pesquisa realizada pelo jornal O Estado de S.Paulo apontou que, pelo menos, 256 dos 513 deputados federais são contrários ao projeto, contra 94 a favor (destes, 83 com ressalvas). São necessários 308 votos para aprovar uma proposta de mudança na Constituição Federal. Do total que se opõe ao texto como foi enviado, mais de 60% são da base aliada de Temer.

Ao mesmo tempo, pesquisa do DataPoder360, divulgada nesta quinta (6), mostra que 66% da população é contra a proposta de Reforma da Previdência, 24% é a favor e o restante não sabe ou não respondeu. E 73% é contra a imposição da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria.

Daí, Temer, vendo a vaca indo para o brejo, autorizou o relator da reforma, o deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), a fazer mudanças em cinco pontos: regra de transição para quem está na ativa, aposentadoria do trabalhador rural, aposentadoria de professores e policiais, pensão por morte e Benefício de Prestação Continuada (que, hoje, garante pensão de um salário mínimo a pessoas idosas que não tenham recursos para sobreviver).

Mas disse que a idade mínima de 65 anos continua.

O relator não detalhou ainda o que fará. No caso da aposentadoria rural, por exemplo, qualquer tentativa de mudança que mantenha a proposta de aumentar a idade mínima para 65 anos ou impor 25 anos de contribuição será perfumaria. Hoje, trabalhadores rurais se aposentam com 60 anos (homens) e 55 (mulheres), bastando 15 anos de comprovação de trabalho no campo – o que é diferente de tempo de contribuição.

Pois esse Brasil rural começa a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já corta 15 toneladas de cana de açúcar diariamente, queima-se produzindo carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpa pasto ou colhem frutas sob um sol escaldante. Sabe que sua sobrevida após a aposentadoria é inferior a quem vive no mesmo Estado, mas trabalha nas cidades, em escritórios climatizados. Entende que, por enquanto, para a Reforma da Previdência, o trabalhador braçal é descartável.

Esse é apenas um dos vários pontos polêmicos que precisam ser rediscutidos, em número muito maior que cinco. Mas quem acompanha o dia a dia do Congresso Nacional sabe que deputados federal e senadores já perceberam que a alteração desses pontos não vai bastar.

A população não está convencida da reforma – não porque o governo não soube se comunicar, mas porque, pelo contrário, deixou muito claro o que queria.

E não mostrou esforços pela restruturação do país que incluam sacrifícios por parte dos mais ricos, que não dependem do INSS ou de serviços públicos porque podem pagar pelo seu presente e seu futuro. Também não sentiu por parte do poder público vontade para implementar ações que resolvam a falta de representatividade e a corrupção na política. Aliás, muito pelo contrário.

Ou seja, antes de uma Reforma da Previdência e uma Reforma Trabalhista cairiam bem uma Reforma Política e uma Reforma Tributária.

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos.

Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo como quer o governo e parte da elite econômica. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo.

Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defendesse abertamente uma idade mínima de 65 anos homens e mulheres, ignorando nossa sociedade machista em que mulheres têm uma jornada dupla por conta dos afazeres domésticos e nossa sociedade desigual que coloca trabalhadores pobres e braçais em situação de desvantagem, beleza. Mas não foi isso o que aconteceu.

Gostaria de sugerir que o Congresso Nacional tenha a decência de discutir a Reforma da Previdência em 2018. Qual seria o comportamento dos nobres parlamentares com relação a essa matéria sabendo que seriam avaliados, pouco tempo depois, pelo seu eleitorado nas urnas?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.