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Leonardo Sakamoto

Delações da Odebrecht e a promiscuidade entre empresários e sindicalistas

Leonardo Sakamoto

18/04/2017 11h06

Por Carlos Juliano Barros, especial para este blog*

A "delação do fim do mundo", como foram apropriadamente apelidadas as revelações bombásticas do núcleo duro da Odebrecht, revelou um esquema de caixa 2 que abasteceu os cofres de quase todos os partidos brasileiros. Mas os políticos não foram os únicos a serem colocados na berlinda. Sobrou também para sindicatos que, em tese, deveriam lutar pelos interesses dos trabalhadores. Até o ex-presidente Lula foi acusado de jogar um balde de água fria em uma greve no polo petroquímico de Camaçari, na Bahia, a pedido de Emílio Odebrecht, décadas atrás.

Evidentemente, as relações promíscuas entre sindicatos pelegos e pesos-pesados do empresariado nacional não se limitam à Odebrecht. Por todo o país pululam casos no mínimo suspeitos de acordos fechados entre empregadores e representantes de empregados.

Os problemas aparecem em usinas de açúcar e etanol do interior de São Paulo, passam por frigoríficos da região Sul e chegam a empreendimentos de infraestrutura na Amazônia. Não raro, o Ministério Público do Trabalho é obrigado a intervir e a cobrar na Justiça que sindicatos cumpram sua missão.

Um exemplo digno de cinema pode ser visto no documentário "Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica", atualmente em cartaz no Canal Brasil. O filme dirigido por Caio Cavechini e por mim aborda os impactos sociais, ambientais e trabalhistas da construção da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia.

Cena do documentário "Jaci", em que trabalhadores vão contra recomendação do sindicato e decidem manter a greve.

Em 2012, durante a segunda grande greve que paralisou as obras da usina tocadas pela Camargo Corrêa, outra megaempreiteira brasileira com contratos bilionários de obras públicas em todo o país, um sindicato local filiado à CUT atuou deliberadamente para esvaziar uma assembleia com dezenas de milhares de trabalhadores que, basicamente, reivindicavam aumento de salário e melhores condições.

Uma das cenas mais fortes do documentário é justamente o momento em que, do alto do caminhão de som, sindicalistas visivelmente constrangidos apresentam à massa de trabalhadores uma proposta de aumento salarial irrisória. Um deles chega a fazer uma ginástica mental ao dizer que não estava defendendo o fim da greve, mas tão somente uma "suspensão" do movimento, até que as negociações fossem concluídas com a direção do consórcio responsável pela barragem. Como nem poderia deixar de ser, as propostas são energicamente repelidas pelos trabalhadores, que chegam a atirar objetos contra o caminhão de som. Sem opção, os sindicalistas se veem obrigados a encerrar a assembleia.

Um resumo da cena pode ser vistoaos 2'48" neste trailer:

Em entrevista ao documentário, o ex-ministro Gilberto Carvalho, que na época tinha a incumbência de fazer a interlocução do governo federal com movimentos sociais, é de uma sinceridade atroz ao dizer que as greves de trabalhadores nas hidrelétricas do Rio Madeira colocaram em xeque o modelo do sindicalismo brasileiro, cada vez mais distanciado das bases.

Há quem diga até que os movimentos grevistas de Rondônia constituem o embrião das históricas Jornadas de Junho de 2013 – onda de protestos que varreu o país de Norte a Sul e que está na raiz da crise política em que o país se meteu e da qual não consegue sair.

O déficit de representatividade do movimento sindical brasileiro, cabalmente exemplificada no documentário "Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica", é componente chave para entender por que as Reformas Trabalhista e da Previdência, que vão golpear direitos conquistados a duras penas ao longo de décadas, têm avançado tão rapidamente no Congresso Nacional.

Há uma clara dificuldade por parte de sindicatos de mobilizar suas bases contra as "reformas estruturantes" que, para o grosso da população, significa tão somente precarização e supressão de direitos.

É ponto pacífico que o delicado momento que o Brasil atravessa exige uma autocrítica por parte da esquerda. Mas, antes de tudo, requer uma capacidade urgente e nunca antes vista de enfrentamento à agenda liberalizante do governo Temer. Defender esse enfrentamento e ignorar a autocrítica só repetirá os erros já cometidos.

(*) Carlos Julianos Barros é jornalista e documentarista. Dirigiu, entre outros, os documentários "Carne, Osso", "Jaci -Sete Pecados de uma Obra Amazônica" e "Entre os Homens de Bem".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.