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Leonardo Sakamoto

Greve geral: Guerrilhas nas redes sociais demonizam quem critica reformas

Leonardo Sakamoto

27/04/2017 19h35

Torço, de verdade, para que você não consuma bovinamente discursos que demonizem greves.

Quando negociações com patrões ou com o Estado não geram frutos e uma greve é deflagrada, começam ações para invalidar discursos. Afinal, há uma disputa pela narrativa usada pela sociedade para descrever esse processo de reformas.

Circulam pela rede tentativas de demonizar a greve geral, a fim de transformar a reivindicação de direitos em invocação do demônio. Ou seja, não são críticas que abrem um diálogo. Elas são proferidas tanto por pessoas que concordam com as Reformas da Previdência e Trabalhista e discordam da greve ou que são pagas pelas duas primeiras para operar exércitos de perfis falsos, publicando não menos falsas notícias. Desde quarta, fazem de tudo para plantar na população indecisa a semente de dúvida sobre aderir ou não nesta sexta. A razão é que o tamanho da presença da greve geral nas redes sociais assustou movimentos e atores que apoiam o governo federal e possuem capilaridade nessas redes.

Ao mesmo tempo, políticos, na tentativa de menosprezar ou criminalizar todo um movimento com o qual não concordam, têm afirmado que o trabalhador que resolve parar em uma greve não é trabalhador. Porque trabalhador trabalha. E quem para de trabalhar, trabalhador não é (tente dizer isso rápido três vezes ou troque trabalhador por mafagafo…)

O que explica bastante coisa, como o fato de, não raro, o desemprego ser relacionado à indolência por aqui. Para tantos, uma pessoa idosa é pobre porque não se dedicou o suficiente na vida e não pelas condições à sua volta ao longo de sua história.

Outros afirmam que greve pode apenas para reivindicação salarial. Protestar contra mudanças que podem desfigurar aposentadorias e afirmar que a Reforma Trabalhista vai afetar a qualidade de vida das famílias não pode. O artigo 9o da Constituição Federal afirma que "é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Ou seja, são os trabalhadores e não os políticos e os patrões que devem definir a razão de sua paralisação.

A lei existe para punir abusos. Patrões e governantes que acreditarem que estão sendo vítimas de abusos podem ir à Justiça, como sempre. E conseguir suas liminares favoráveis (como quase sempre). Por outro lado, o procurador-geral do Ministério Público Trabalho, Ronaldo Fleury, já divulgou nota afirmando que a participação na greve geral, desta sexta (28), é legítima. "Movimento justo e adequado de resistência dos trabalhadores às reformas Trabalhista e Previdenciária, em trâmite açodado no Congresso Nacional, diante da ausência de consulta efetiva aos representantes dos trabalhadores."

Diálogos sobre as reformas têm enfrentado dificuldade de vencer as bolhas de todos os matizes ideológicos e quem perde é a sociedade. O nível de binarismo de algumas pessoas atingiu tal proporção que funcionam apenas por sofismas básicos: "a CUT é contra as reformas, eu não gosto da CUT, então sou a favor das reformas". Ou "eu concordo com as reformas e não sou petista, nem mortadela, então todos que discordam são petistas e mortadelas". E há o oposto, claro: o "discordo das reformas e não sou de extrema direita, então todos que concordam são de extrema direita". Assim fica difícil construir qualquer coisa conjuntamente. Até um país.

Por fim, as greves nos lembram de coisas que muita gente sente-se incomodada em lembrar. Neste caso, que os professores da escola de nossas filhas ou nossos filhos e a empregada doméstica dentro de nossas casas, mas também metroviários, motoristas de ônibus, bancários, eletricitários e até jornalistas, todos que nos prestam direta ou indiretamente um serviço, são trabalhadores. Sim, pessoas com a qual podemos contar, mas que não estão a nosso dispor. E, como trabalhadores, contam com o direito de cruzar os braços para reivindicar.

Isso não os faz de esquerda, de direita ou de centro. Isso os faz cidadãos.

Pensar que isso é uma grande bobagem e mandá-los de volta ao trabalho sem entender suas demandas é da mesma família do "não fale em crise, trabalhe!" – frase de caminhoneiro amada por Michel Temer. Coisa que nos faz sentir no início do século 20, quando a questão trabalhista era caso de polícia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.