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Leonardo Sakamoto

Caso Temer/JBS mostra que a reforma que o Brasil precisa é na política

Leonardo Sakamoto

18/05/2017 00h53

Confirmado o teor das gravações realizadas pelo proprietário do JBS, Joesley Batista, mostrando que Michel Temer pediu ajuda para a compra do silêncio do ex-deputado e, hoje, homem-bomba Eduardo Cunha, sua presença como ocupante do Palácio do Planalto torna-se insustentável. Mesmo sua base de apoio no Congresso Nacional e na elite econômica vai abandoná-lo em nome de um plano B. Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Fernando Henrique. Não importa o nome. O que importa é que a bolsa de apostas está funcionando.

A discussão sobre as possibilidades de uma eleição com o voto popular para a Presidência da República, ao invés da escolha de um nome por deputados e senadores, esbarra nos interesses de parlamentares (que querem alguém que estanque a "sangria" causada pelo combate à corrupção) e de grandes empresários (que desejam ver as Reformas Trabalhista e Previdenciária, reprovadas pela grande maioria da população, aprovadas).

Mais do que isso, o caso Temer/JBS carrega um debate que deveria ser trazido à luz neste momento: a quem a política realmente representa.

Pois a JBS, empresa que envolveu Michel Temer em uma denúncia que pode levar à sua cassação, foi também a maior doadora das campanhas políticas em 2014. Não é possível fechar os olhos e achar que o financiamento eleitoral não é porta de entrada para a promiscuidade com a coisa pública. Mesmo com a mudança na legislação, que proibiu doações de pessoas jurídicas, pessoas físicas donas de empresas milionárias seguem livres para elegerem quem quiserem.

Passou da hora de assumirmos que a prioridade brasileira não é uma Reforma Trabalhista e uma Reforma da Previdência, mudanças profundas nas quais a população não se vê espelhada. Mas uma Reforma Política, que realmente mexa com as estruturas de representação. Para garantir que a massa dos trabalhadores e de pequenos empresários, por exemplo, tenha voz – e que suas demandas não fiquem em silêncio diante das necessidades do mercado. Talvez uma reforma feita por uma assembleia eleita com mandato delimitado para essa, e apenas essa, tarefa, caso o Congresso se mostre mais preocupado com sua reeleição do que com o futuro do país.

Muitos dos jovens que foram às ruas em junho de 2013 queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos de sua cidade, estado ou país. Mas não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós. Porque a política está sendo radicalmente transformada pela mudança tecnológica e participar do rumo das coisas a cada quatro anos já não é mais suficiente.

Ao invés de encaminhar essa discussão, o Congresso Nacional vai no sentido oposto, tentando implementar fórmulas que beneficiam os parlamentares que já estão no poder ou os que contam com currais eleitorais. E quando há qualquer proposta para aumentar os instrumentos de participação popular, ela é rapidamente taxada de golpe, pois tira poder do Legislativo e devolve ao povo.

Aliás, levando a sério alguns discursos que circulam nos plenários da Câmara e do Senado, a solução para os problemas de representação política no Brasil passa apenas pela mudança do voto proporcional para o distrital e a adoção da lista fechada. Este último caso, o eleitor vota no partido, que escolhe a ordem dos candidatos, faria sentido se tivéssemos um sistema partidário decente. E não acredito que a lista fechada leve à melhora dos partidos na velocidade necessária.

A democracia representativa falhou em garantir o respeito aos anseios de sociedades plurais e complexas. Isso não significa, por outro lado, que a solução seja negar a política e suas instituições. Que podem não ser perfeitas, mas é o que temos neste momento. A alternativa a isso, historicamente, passou por saídas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas. Porque não há nada mais político do que algo que se diz não-político. A negação às balizas republicanas abre as portas para quem se coloca, em um momento de crise como este, como "salvador da pátria" a fim de ganhar espaço a fim de nos "tirar das trevas" sem o empecilho da "política". Ou seja, de regras e limites.

Precisamos discutir como fortalecer os partidos, que ainda são a melhor saída no sistema político – o que passa pela redução drástica do número deles e o fim de coligações proporcionais. Discutir o financiamento, seja ele público ou privado, ou uma mistura dos dois – desde que com limitação do tamanho da doação individual e, portanto, do poder econômico do doador sobre o eleito. Precisamos criar novos caminhos para efetivar direitos. Precisamos reinventar a representação. Precisamos imaginar formas de democracia direta e de ampliar a participação popular.

Mas a única maneira de fazer isso de forma livre é através do diálogo da política. Precisamos debater o sistema urgentemente. Afinal, cidadãos não são consumidores. Eles não querem apenas um bom produto ou um bom serviço. Sua ambição passa por relações mais amplas com outros cidadãos e com o lugar em que vivem, com o seu bem estar no presente, com sua esperança no futuro. Ser cidadão é ter a noção do coletivo, da coisa pública que deve ser compartilhada.

Por fim, aos líderes políticos, econômicos e sociais que gostam mais do cheiro da antiga naftalina do que de gente e que já se articulam para dar um passa-moleque no interesse popular, vale um lembrete: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente." Constituição Federal, artigo 1o, parágrafo único.

Ato contra Michel Temer e por eleições direta para a Presidência, na avenida Paulista, em São Paulo, logo após a veiculação das denúncias (Foto: Leonardo Sakamoto)

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.