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Leonardo Sakamoto

Por que Temer foi rifado por seus aliados em apenas um dia?

Leonardo Sakamoto

19/05/2017 11h17

Foto: Andre Coelho/Agência O Globo

Foi surpreendente a velocidade com a qual aliados e opositores, grandes empresários, o mercado financeiro nacional e internacional, movimentos e organizações que o apoiam absorveram e processaram as denúncias contra Michel Temer. Mesmo sem acesso aos áudios e baseando-se no furo de reportagem do jornal O Globo, estabeleceu-se um consenso de que era preciso trocá-lo. E rápido.

O próprio Temer ficou em dúvida sobre si mesmo e sobre o que teria dito na conversa com o empresário Joesley Batista, dono do JBS/Friboi. A ponto de dar justificativas questionáveis como chamar a suposta anuência à compra de silêncio de Eduardo Cunha de concordância com uma "ajuda humanitária" ao ex-deputado federal e homem-bomba, hoje preso por conta da Operação Lava Jato. Temer, seus advogados e apoiadores mais próximos precisaram esperar receber os áudios do Supremo Tribunal Federal para bancarem publicamente a decisão do "eu fico". Depois o consenso se desfez, mas isso diz muita coisa.

Divulgadas no final da tarde desta quinta (18), as gravações realizadas pelo dono da JBS mostram que há material para inviabilizar o governo Michel Temer. Por mais que os áudios em relação à Cunha sejam insuficientes para isso e dependam da investigação autorizada pelo STF, há informação suficiente mostrando condescendência com corrupção, tráfico de influência, "venda" de favores públicos e ataques à própria Lava Jato.

A onda ganhou tal proporção rapidamente por uma razão simples: todos sabem quem é Michel Temer, do que ele é capaz, quem são seus aliados mais próximos e em que circunstâncias ele ocupou a Presidência da República. Todos sabem que não era questão de "se", mas "quando" esse tipo de comportamento impróprio se tornaria a público.

Tivesse ele o respaldo do voto direto ou a popularidade de quem cumpre um programa de governo escolhido pela maioria da sociedade, teria recebido apoio dos partidos da base aliada ao invés do "salve-se quem puder" que tomou conta do Congresso Nacional nesta quinta. Não passaria pelo constrangimento de saber que uma reunião para decidir os próximos passos após sua queda foi organizada na casa de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e próximo na linha sucessória. Aliás, da mesma forma que Temer também organizou esse tipo de reunião quando era o próximo da linha sucessória de Dilma Rousseff.

De acordo com um analista de redes sociais que atua na construção e desconstrução de reputações online, desconstruir é mais fácil, sempre, do que construir. Mas não se desconstrói uma reputação com musculatura em pouco tempo. Nem no tempo de uma eleição, que dirá em um dia. A credibilidade de um político é o seu patrimônio, garantido pela importância do que ele faz e pelo reconhecimento público disso. Esse tipo de reconhecimento, estruturado em rede ou offline, não se ergue do zero ou se arrasa profundamente de um dia para outro.

O comportamento coletivo nesta quinta não mostra que Temer teve sua credibilidade desconstruída, mas sim de que ela é muito pequena até entre seus apoiadores. Mesmo Dilma, no pior da sua popularidade, não foi rifada como Temer foi ontem. Comparações com Fernando Henrique e Lula, então, são desnecessárias.

Tanto que, em seu discurso do "eu não renunciarei", o principal argumento utilizado foi o "ruim comigo, pior sem mim" – um claro recado à elite econômica para lembrar que poucas pessoas se dispõem a aceitar a fazer o "serviço sujo e impopular" de reduzir o Estado de proteção social através de reformas como a Trabalhista e a da Previdência. Até porque sem essa elite e sem Congresso, ele teria tomado o mesmo caminho de sua antecessora há muito tempo. Ou melhor, nunca teria chegado lá.

A dúvida é se ele conseguirá convencer o pilar econômico (que quer as reformas) e o pilar político (que quer ser protegido dos desdobramentos da Lava Jato) de que ainda é a melhor pessoa para o serviço. Ou se, em meio ao pandemônio de quinta, sua saída já foi precificada pelo mercado, calculada pela política e esperada pela sociedade para reorganizar o cenário. A tal ponto que, sua manutenção como líder, gera apenas mais dessa mesma ansiedade que ele prometeu atacar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.