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Leonardo Sakamoto

Eleições diretas são o desinfetante que o Brasil precisa neste momento

Leonardo Sakamoto

27/05/2017 11h13

O Congresso Nacional é, hoje, uma das instituições menos respeitadas pela maioria da população. Em algumas pesquisas, consegue a façanha de ser considerado menos confiável que a Presidência da República. Mesmo assim, defende-se que seus deputados e senadores sejam os responsáveis por eleger a pessoa que vai substituir Michel Temer e conduzir o país nesta travessia turbulenta.

Os únicos grupos que se sentem representados politicamente nesse Congresso são os que financiaram campanhas eleitorais. Parlamentares de bancadas organizadas, como a ruralista, a dos empresários e a de fundamentalistas religiosos, estão aproveitando este momento de "tudo pode" para mudar a lei de acordo com os interesses de seus patrocinadores.

A desconexão com a maioria da população é tão grande que o debate sobre possíveis nomes em uma eleição indireta é feito levando em conta a disposição do eleito de manter o desmonte do Estado de proteção social. Mas não de tocar uma reforma que repense a maneira de se fazer política. O que é uma pena porque o Congresso deveria ser o coração pulsante da vida nacional.

Partidos políticos, com a ajuda de setores do empresariado, criam "favoritos" para eleições indiretas – muitos deles balões de ensaio comprados de forma acrítica por parte da imprensa. Se os nomes são bem recebidos, não pelo grosso da população, mas pela elite política e pelo mercado, tornam-se competidores viáveis. Ou seja, as "prévias" eleitorais são realizadas por quem tem dinheiro e poder, excluindo-se até as bases dos partidos. Nenhum nome que proponha inverter prioridades, colocando uma Reforma Política à frente das Reformas Trabalhista e da Previdência, tende a ser cogitado porque não receberá a benção do mercado.

Ou seja, o processo de construção coletiva das regras que guiam o país está privatizado. E a democracia, transformada em incômodo detalhe.

Nesse cenário, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal apenas fariam mudanças e interpretações necessárias para possibilitar uma eleição direta em caso de cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral se houver pressão popular.

Infelizmente, é mais fácil levar pessoas às ruas contra a corrupção do PT do que pela democracia.

Sem contar que a maioria dos brasileiros, que não participou de protestos nem a favor, nem contra o impeachment, segue bestializada diante da TV, tendo sido carregada ao fundo do poço do cinismo do "todo mundo é igual". Muitos preferem cuidar de sua sobrevivência, pois se não trabalharem hoje, não comem amanhã. Sobrevivência que ficará mais difícil por conta dos conchavos costurados na eleição indireta para a Presidência da República.

Independentemente de quem seja eleito ou eleita, apenas uma votação direta pela população será capaz de restabelecer minimamente a legitimidade do processo político nacional, garantindo que o desrespeito à dignidade humana não seja a tônica do próximo ano. E reverter a corrosão das instituições nacionais, evitando um ponto de não retorno.

Apenas uma eleição direta, jogando luz sobre as prioridades reais da população, servirá como desinfetante desse grande acordão organizado pelas elites política e econômica a fim de aprofundar a desigualdade social, garantindo que a conta da crise seja paga com direitos dos pobres a fim de manter os privilégios dos mais ricos.

O problema é que, para uma grande quantidade de parlamentares, desinfetar o processo democrático significa o próprio suicídio político.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.