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Leonardo Sakamoto

Temer se mantém apesar de reunir motivos para cassar umas quatro Dilmas

Leonardo Sakamoto

15/06/2017 18h42

Apesar de já ter reunido contra ele motivos suficientes para cassar umas quatro Dilmas ou uns dois Collors, Temer vai se mantendo.

As evidências publicizadas pelas delações da Odebrecht e da JBS são muito mais robustas para dar início a um impeachment do que decretos para emissão de créditos suplementares ou mesmo o tal Fiat Elba. Isso sem contar que as mesmas provas de caixa 2 teriam sido suficientes para cassar o mandato de Dilma, se ela tivesse conseguido permanecer até agora. Mas não foram para Temer.

Por conta dos interesses de parte da classe política (que não chegou a um consenso sobre quem botar no lugar para frear a Lava Jato) e de parte do poder econômico (que não tem pudores de colocar as reformas acima de princípios éticos).

Mas também por conta da falta de interesse de uma parcela da sociedade (que crê que o país se tornará o Éden sem o PT) e do grosso da população – anestesiada pela quantidade de chorume que vaza pela TV vinda de escândalos envolvendo os Três Poderes. Sem contar, é claro, a incompetência de grande parte da esquerda em produzir uma nova narrativa que envolva, dê esperança e mobilize as pessoas.

Diante disso, qual a motivação para um cidadão comum, que rala o dia inteiro e não tenta levar vantagem sobre o vizinho, quando vê que o presidente da República e sua cúpula envolvidos em tanta porcaria e nada acontecendo com eles? Ou quando constata que, apesar da punição de alguns grandes empreiteiros, ricos empresários, como donos de frigoríficos e, ao que tudo indica, banqueiros, continuarão encarnando Marco Aurélio (Reginaldo Faria), na cena final de Vale Tudo, dando uma banana para o país?

Nenhuma.

Quando o impeachment foi aprovado, um dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente eleita pelo voto popular por um motivo frágil (pedaladas fiscais) em vez de um caminho mais sólido (cassação da chapa por caixa 2) poderia causar. Infelizmente, o esgarçamento aconteceu. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito a regras e normas que nos permitem viver em sociedade com um mínimo de dignidade.

E, aos poucos, vendo que as leis e às instituições não funcionam bem, vamos desfazendo os laços e amarras de uma vida em comunidade.

Nesse contexto, quem age honestamente no emprego sem "levar o seu por fora" é considerado um mané por chefes e colegas. Os que criticam linchamentos públicos e tatuagens na testa de pessoas que teriam transgredido a lei são acusados de fazer apologia ao crime. Quem pondera e tenta o diálogo e não usa os mesmos métodos agressivos que seu adversário político ou ideológico é tido como burro. Os que reclamam do tratamento dado a pessoas que sofrem de dependência de drogas são xingados e instados a levar uma Cracolândia para suas casas. Um país que se diz fundado em valores humanísticos, vai optando por trocar o "amar ao próximo como a si mesmo" por "cada um por si e Deus por todos".

A democracia representativa falhou em garantir o respeito aos anseios de sociedades plurais e complexas. Isso não significa, por outro lado, que a solução seja negar a política e suas instituições. Que podem não ser perfeitas, mas é o que temos neste momento. A alternativa a isso, historicamente, passou por saídas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas. Porque não há nada mais político do que algo que se diz não-político. A negação às balizas republicanas abre as portas para quem se coloca, em um momento de crise como este, como "salvador da pátria" a fim de ganhar espaço a fim de nos "tirar das trevas" sem o empecilho da "política". Ou seja, de regras e limites.

Quando instituições nacionais estão esgarçadas e desacreditadas, a melhor maneira de combater a escalada de violência de Estado e convulsões sociais seria devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo. E, paralelamente, aprovar uma Reforma Política que garanta que a vontade popular seja representada.

Mas isso vai ficando cada vez mais longe de acontecer. E o povo – vendo que Brasília funciona em uma realidade paralela ao resto do país, produzindo denúncias de corrupção em profusão e tramitando uma Reforma da Previdência que é rechaçada pela população – acredita que o que vale é a lei do mais forte.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.