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Leonardo Sakamoto

Enquanto PSDB e PT evitam fazer DR, o Inominável cresce

Leonardo Sakamoto

18/07/2017 16h33

Há uma disputa nas redes sociais para saber quem seria o responsável por colocar Michel Temer em nossas vidas. Não entendo muito essa briga besta. Afinal, o desejo por governabilidade (palavra pichada com sangue nos muros do inferno) fez com que o PT acolhesse ele e seu grupo, com carinho, na chapa presidencial. E o desejo por retornar ao poder (coisa que não conseguiu fazer por via eleitoral em 2014) fez com que o PSDB conspirasse ao seu lado e, depois, lhe desse arrimo. Ou seja, não se façam de rogados. Tem culpa para distribuir para todo mundo.

O PT, de certa forma pagou o preço com o impeachment de Dilma Rousseff. Seria justo que o PSDB também ajoelhasse no milho. Como é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um tucano ser enviado à cadeia, a resposta poderá ser eleitoral – e isso já fez acender a luz amarela entre os candidatos do partido nas eleições de 2018. Há, hoje, pelo menos, três grupos de tucanos: os que querem ficar com Temer e apoiar as reformas, os que não querem ficar com Temer e apoiar as reformas e os que não querem ficar com Temer, nem apoiar as reformas. Só para deixar claro: este último grupo, que se lembra da raiz socialdemocrata do partido, é minoritário.

O partido é livre para se divorciar, mas o eleitor não deveria esquecer que Temer e tucanos viveram muita coisa juntos. Além de muito prestativo e atencioso a uma série de pautas, o poeta de Tietê produziu com o PSDB três filhas: a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirização Ampla, a PEC do Teto dos Gastos. Não é necessário o dom da profecia para saber que os mais pobres e vulneráveis vão ranger os dentes quando elas atingirem a maturidade.

E olha que estão esperando outra. A princípio, vai se chamar Reforma da Previdência. Mas também pode, dependendo da dificuldade do parto, ganhar um nome mais humilde, como Aumento da Idade Mínima para a Aposentadoria.

Poder-se-á dizer que Temer faz mais questão de parir uma mesóclise do que essa criança. Afinal, seu projeto de vida é outro: sobreviver à guilhotina da Lava Jato para seguir na orgia com o dinheiro público. Contudo, um ramo da família do PSDB, composto por grandes empresários e o mercado financeiro, traz ameaças de abandono na rua da amargura se o governo não seguir na linha. E, apontando para Rodrigo Maia, diz que aquilo sim que é político. Veja só como é a vida: Temer, que ficou famoso por declarações misóginas, como a importância da mulher na economia doméstica e a necessidade de um marido para a economia brasileira, também sofre no relacionamento.

A esta altura do campeonato, PSDB e PT deveriam estar trabalhando juntos para reestruturar a política. Ainda mais diante do risco de que, devido à descrença nela como arena de solução de conflitos, há a chance concreta do poder ser conquistado por Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado no ano que vem.

A democracia representativa falhou em garantir o respeito aos anseios de sociedades plurais e complexas. Isso não significa, por outro lado, que a solução seja negar a política e suas instituições. Que podem não ser perfeitas, mas é o que temos neste momento. A alternativa a isso, historicamente, passou por saídas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas. Porque não há nada mais político do que algo que se diz não-político. A negação às balizas republicanas abre as portas para quem se coloca, em um momento de crise como este, como "salvador da pátria" a fim de ganhar espaço a fim de nos "tirar das trevas" sem o empecilho da "política". Ou seja, de regras e limites.

Porém, o que mais temos visto é a tentativa de sobrevivência a todo o custo. De um lado, políticos do PSDB se aliando ao que há de mais atrasado, como na defesa do "distritão", sistema em que os deputados mais votados de cada estado são eleitos, sem considerar os votos partidários, reforçando o personalismo e facilitando a vida de pessoas sem lastro ideológico algum – além do auto-enriquecimento. Do outro, gente do PT querendo debater a aprovação de propostas para evitar a prisão de pré-candidatos oito meses antes do pleito e preservar impactos à imagem de seu principal líder.

Precisamos discutir como fortalecer os partidos, que ainda são a melhor saída no sistema político – o que passa pela redução drástica do número deles e o fim de coligações proporcionais. Debater se devemos manter o sistema proporcional ou implementar um distrital misto para eleição de deputados. Refletir sobre o financiamento, seja ele público ou privado, ou uma mistura dos dois – desde que com limitação do tamanho da doação individual e, portanto, do poder econômico do doador sobre o eleito.

Mas, principalmente, precisamos reinventar a representação e imaginar formas de democracia direta e de ampliação da participação popular. E isso está sendo tarefa praticamente impossível.

Ao invés de procurarmos formas de limpar e fortalecer o sistema político, há quem deseje a implementação do parlamentarismo o mais rápido possível. Não sou contra abrir esse debate, mas ele não vai curar nada. Pelo contrário, encontrando um sistema viciado e podre, o parlamentarismo apenas garantirá que esse sistema se mantenha em funcionamento mesmo que distante dos anseios e demandas da sociedade. Justifica-se que isso traria liberdade aos governantes frente a demandas insensatas e irracionais. Traduzindo, viva o crescimento econômico, o povo que se exploda

O pior é que tenho certeza que quando o Inominável começar a devorar tudo o que foi construído em mais de três décadas sob a Constituição Federal de 1988, muita gente que só pensa em si e no seu mandato estará entre os primeiros a fugir ou se aliar a ele.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.