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Leonardo Sakamoto

Temer: "População vai compreender". Mas povo nem entende como ele segue lá

Leonardo Sakamoto

22/07/2017 12h48

Foto: Adriano Machado/Reuters

Facilitando a vida dos humoristas e dos produtores de memes (profissão em alta no país, como a gasolina), Michel Temer afirmou que a "população vai compreender" o forte aumento nos impostos dos combustíveis – que deve pode, inclusive, ter um efeito inflacionário no resto da economia.

A frase não é presunçosa, mas surreal. E é também um bom gancho para analisar a comunicação presidencial.

Fernando Henrique e Lula, como presidentes, foram bons em articulação de bastidores e, cada qual em seu estilo, competentes comunicadores.

Dilma detestava a política de bastidores (uma das razões que contribuiu para a sua queda) e funcionava melhor diante do microfone quando estava irritada. Como em maio de 2008, quando deu um passa-moleque em José Agripino Maia, que questionara mentiras que ela contou enquanto era torturada na prisão durante a ditadura (sim, isso mesmo que você acabou de ler). Porém, em condições normais de pressão e temperatura, ela via figuras ocultas na forma de cachorros atrás de crianças e saudava a mandioca em seus discursos.

Temer é extremamente hábil na negociação política de bastidores. Como diria o narrador da Sessão da Tarde, ele apronta as maiores confusões, detonando tudo, em altas aventuras, com uma turminha do barulho – e nada acontece com ele. Pelo contrário, chegou lá. Mas é ruim de discurso. Não por gesticular as mãos pelo ar de forma aleatória e, por vezes, encarnar vozes cavernosas (quem nunca?), mas por falar o que não deveria ter falado.

Poderíamos contar um rosários de casos em que isso aconteceu. Quando ele disse que a grande contribuição da mulher na economia era no orçamento doméstico, durante cerimônia no Dia Internacional da Mulher, foi motivo de chacota até em programa de humor nos Estados Unidos. Não se emendou e, tempos depois, em entrevista ao apresentador Ratinho, disse que governos precisam ter marido, daí não quebram. Ou quando disse que foi ingênuo ao receber Joesley Batista, em sua casa à noite, quando foi feito a fatídica gravação, declarando-se "café-com-leite" e contando com a ingenuidade da população para acreditar nisso.

O governo federal deve vir a público se justificar sobre o aumento do impostos dos combustíveis. Mas ao não entender os possíveis efeitos da frase "a população vai compreender porque esse é um governo que não mente", Temer abandona os argumentos técnicos e parece que deseja, inconscientemente, ser motivo de crítica. Quase como uma autopunição.

Outras opções: ninguém ter mostrado a ele que, na última pesquisa Datafolha, seu governo cravou míseros  7% de aprovação; ele estar em uma realidade paralela em que a população que toda cacetada será perdoada, inclusive a dinheirama escorrida aos deputados federais para salvar o seu excelentíssimo pescoço de ser julgado no STF por corrupção; ou acha que a gente é tosco mesmo.

O problema é que tem coisas que não se esquece. A Agência Lupa checou que, em pelo menos quatro ocasiões, o governo Temer disse que não aumentaria impostos. Isso foi, inclusive, um dos argumentos para aprovar a PEC do Teto dos Gastos – congelando, por 20 anos, novos investimentos em áreas como educação e saúde públicas. "Se nós aprovarmos a (PEC) 241, nós não precisamos pensar em tributo, porque, convenhamos, a carga tributária chegou ao seu limite." Ou seja, quem acreditou nessa chantagem deve estar muito chateado. Pelo menos, deveria.

Enfim, é complicado afirmar que "a população vai compreender" esse aumento no preço dos combustíveis. Na verdade, ela nem consegue entender direito como ele continua lá.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.