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Leonardo Sakamoto

O Brasil pode trocar a suspensão da alta dos combustíveis pela de Temer?

Leonardo Sakamoto

25/07/2017 15h56

Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

A 20a Vara Federal do Distrito Federal suspendeu, nesta terça (25), o aumento de impostos sobre combustíveis, anunciado pelo governo Temer e já em vigor. A liminar, concedida a pedido de uma ação popular, afirma que a alteração na alíquota do PIS/Cofins deveria ter sido feita por lei no Congresso Nacional e não por decreto presidencial. A decisão do juiz substituto Renato Borelli também afirma que não foi  cumprido o prazo de 90 dias entre a edição da norma e sua entrada em vigor.

Alguns podem enxergar nessa decisão judicial uma demonstração de vitalidade de nossa democracia, com os freios e contrapesos inerentes às dinâmicas dos Três Poderes. Particularmente, vejo mais uma consequência do desespero de Michel Temer e aliados para se manterem no poder.

Há uma chance de que, quando você estiver lendo este texto, a Advocacia Geral da União ter conseguido suspender a suspensão. Portanto, quero discutir o contexto em que ela ocorre.

Parte considerável da instabilidade econômica que impede a retomada do crescimento é decorrência do clima de incerteza política pela qual estamos passando. Muitos empresários evitam investir ou empreender considerando a dificuldade de visualizar quem estará no comando do país em um ou dois meses e o que fará.

Para estabilizar politicamente o impeachment de Dilma, o país precisava de crescimento econômico – o que não vem de uma hora para outra, mesmo com a credibilidade de Henrique Meirelles, do Ministério da Fazenda, junto ao mercado. Ao mesmo tempo, a economia não deu à velha política estofo suficiente para avançar com todas as reformas, frustrando o poder econômico.

O pior é que Temer e a velha política venderam ao grosso da população durante o processo que levou ao impeachment que, uma vez retirados Dilma e o PT, a corrupção acabaria, a economia melhoraria. Mas essa população, principalmente a mais pobre, foi surpreendida com a informação que não só o desemprego continua grande e o poder de consumo segue baixo, como os novos governantes pretendem mexer em suas aposentadorias. Isso sem falar que os casos de corrupção continuam a aparecer.

Temer e aliados se agarram ao poder porque sabem que essa é a melhor forma de salvarem seus pescoços da lâmina da guilhotina da Lava Jato. O problema é que o apoio de parte do Congresso Nacional, que não tem pudor algum em pilhar o país, tem custado caro aos cofres públicos.

A compra descarada de votos de deputados para evitar a autorização de ação penal contra Temer e, portanto, seu afastamento temporário da Presidência da República, é uma amostra disso, mas não a única, nem a mais danosa.

Neste momento, deputados tentar passar um perdão de até 99% nos juros e multas de devedores de impostos, o que pode significar uma perda de arrecadação cerca de R$ 250 bilhões. Ao mesmo tempo, negam-se a acabar com a farra de subsídios e desonerações a empresas. Políticas defendidas em nome de quem os financiou ou de si mesmos – uma vez que a bancada empresarial no Congresso não é pequena.

Dificilmente, Rodrigo Maia conseguiria ser fiador da estabilidade porque os desdobramentos da Lava Jato não deixarão um possível governo do "Botafogo", seu codinome na planilha da Odebrecht, em paz.

Quando o impeachment foi aprovado, um dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente eleita pelo voto popular por um motivo frágil (pedaladas fiscais) em vez de um caminho mais sólido (cassação da chapa por caixa 2) poderia causar. Infelizmente, o esgarçamento aconteceu. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito a regras e normas, principalmente por parte do governo e de parlamentares, é amplo.

Desde o anúncio da alta dos impostos, tributaristas e constitucionalistas discutem se o governo poderia ou não ter tomado esse caminho. O juiz e uma série de advogados tributaristas acreditam que não.

A opinião de Ivandick Rodrigues, advogado e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, vai ao encontro da decisão judicial. De acordo com ele, que foi membro da Comissão de Direito Processual do Trabalho da OAB-SP e presidente da Comissão de Previdência Complementar do Instituto dos Advogados Previdenciários, o decreto do governo tem dois problemas, um formal e um material. O formal é que o artigo 195, parágrafo 9o, da Constituição Federal diz que a mudança em contribuições previdenciárias, como PIS/Cofins, necessariamente devem ser feitas por lei. E o material é que o artigo 195, parágrafo 6o, afirma que há a necessidade de aguardar o período de 90 dias.

"Já havia uma previsão de aumento de impostos, desde o governo passado, quando Nelson Barbosa, então Ministro do Planejamento, e Joaquim Levy, então ministro da Fazenda, vieram a público para anunciar que seriam adotadas as medidas de ajuste fiscal, entre elas a volta da CPMF", lembra Ivandick. "O aumento da carga tributária não é novidade, portanto, e é um dos motivos que levou à queda da Dilma."

Se o clima fosse de respeito às regras, talvez houvesse a preocupação de pensar na possibilidade de contestação judicial antes de emitir o decreto. Se houvesse estabilidade política, haveria mais diálogo para buscar outras saídas possíveis. Se o governo não estivesse precário, decisões seriam tomadas com mais planejamento. Se houvesse uma relação saudável com o Congresso, o Executivo não temeria a "fatura" da tentativa de aprovação de uma medida provisória. Mais do que isso: se a realidade fosse outra, uma liminar não daria uma chacoalhada na credibilidade do governo.

Quando chegamos a este ponto, a melhor maneira de retomar a normalidade seria devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo. Apenas a legitimidade oriunda de uma eleição direta poderá reverter a corrosão das instituições nacionais, evitando um ponto de não retorno. E monstros que lá se encontram.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.