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Leonardo Sakamoto

Temer reclama de animosidade. Isso tem remédio, chama-se renúncia

Leonardo Sakamoto

11/08/2017 17h54

Cotton Fields (by Creedence Clearwater Revival): Antes do evento, Michel Temer e Blairo Maggi participam da abertura da colheita do algodão. Foto: Alan Santos/PR

Algum agrotóxico pesado deve ter afetado Michel Temer na plantação de algodão de Lucas do Rio Verde. Em visita à cidade matogrossense, junto com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, nesta sexta (11), ele reclamou do clima de brigas entre os brasileiros.

"Instalou-se uma animosidade, uma divergência, uma litigância, uma litigiosidade entre os brasileiros que não se encontrava no passado. Então nossa tarefa hoje com o crescimento do país é exata e precisamente fazer com que não haja brasileiro contra brasileiro, mas brasileiro com brasileiro."

É necessário muito óleo de peroba para não determinar o sujeito na frase. Como assim "instalou-se"? O próprio Michel Temer conspirou a céu aberto para substituir Dilma Rousseff, vendendo-se ao poder econômico, à velha política e a bancadas retrógradas no Congresso Nacional como sendo a solução.

Prometeu aprovar reformas que tirassem dos pobres para garantir aos ricos, salvar a cabeça de políticos da guilhotina da Lava Jato e garantir a aprovação de mudanças propostas por bancadas como a ruralista, a do fundamentalismo religioso e a da bala.

Para possibilitar a retirada de Dilma Rousseff, um país que já estava rachado por conta das eleições gerais de 2014 foi incendiado. Optou-se for forçar um impeachment com elementos fracos ao invés de esperar um julgamento de cassação da chapa eleitoral por caixa 2, muito mais consistente. Portanto é muita inocência, para não dizer cinismo, esperar que, uma vez esgarçadas as instituições e enfraquecido o que nos une como país, as coisas voltariam de uma hora para outra à estabilidade.

E tão grave quanto a crise econômica é a crise de legitimidade do atual governo. A população não confia nele (5% de aprovação) e só não sai em massa às ruas porque o desalento, a descrença e a falta de fé atingiram níveis incapacitantes. Esse caldo de desgosto se mistura ao apoio de parte das elites política e econômica, que seguem interessadas na manutenção do governo enquanto ele for útil.

"Nós temos que eliminar uma cultura política que se instalou nos últimos tempos, muito negativa para o brasileiro e incompatível com o espírito do brasileiro, que é o da animosidade", também disse Temer.

Mas a animosidade é a consequência, não a causa. É como febre – que, na maior parte das vezes, não é doença, mas sintoma. Neste caso, sintoma de um governo que trata a coisa pública como se fosse a Casa da Mãe Joana, gastando bilhões em recursos do contribuinte para comprar parlamentares e se manter no poder.

Isso tem remédio e ele se chama renúncia. Seguida de aprovação pelo Congresso Nacional, com sinal verde do Supremo Tribunal Federal, de eleições diretas para Presidente da República. Se fizesse isso, Temer ficaria conhecido como a pessoa que ajudou, com um ato de desapego, a pacificar o Brasil. Mas como é possível alguém ministrar o tratamento quando é, ele próprio, parte da infecção?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.