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Leonardo Sakamoto

Como garantir que o Congresso não seja um clubinho de homens brancos?

Leonardo Sakamoto

15/08/2017 09h37

Michel Temer dá posse a um ministério de homens brancos em 2016. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

É difícil defender a existência de partidos políticos atualmente. Contando com popularidade menor que pochetes, viseiras e injeções de benzetacil, eles estão entre as instituições menos confiáveis e as coisas menos agradáveis do país.

Fizeram por merecer, claro. O que deveriam ser agremiações que reúnem pessoas para defender determinada visão de mundo, ideologia e projeto nacional acabaram sendo federações de interesses individuais e mercenários a soldo de quem pagar mais. Nem sempre, nem com todos, mas em quantidade o suficiente para jogar a política na lama da descrença.

Não dizemos, contudo, que a democracia é a menos pior das formas de governo à toa. Apesar de todos os seus defeitos, não foi inventado nada de melhor para colocar no lugar. E considerando que não temos ainda consciência ou mecanismos suficientes para garantir uma ampla democracia direta, teremos que continuar elegendo representantes que falarão e decidirão por nós.

Como retirar os partidos políticos da UTI e garantir que representem não apenas as diferentes opiniões, mas a sua própria diversidade? O número de mulheres, negros, indígenas, população LGBT e trabalhadores no Congresso Nacional, por exemplo, é muito inferior do que sua fatia na sociedade. E isso tem impacto direto na formulação de políticas públicas e na defesa de determinados direitos.

É impossível que uma Câmara composta de homens, brancos, héteros, cis, empresários, por mais boa vontade que tenha (e boa parte não têm) possa entender a realidade de outros grupos historicamente excluídos de sua cidadania e falar por eles. Deputados-patrões abrem mão de seus interesses e defendem os direitos de seus empregados no plenário do Senado? Há cláusulas que obrigam uma porcentagem mínima de candidaturas de mulheres, por exemplo, mas elas ainda não foram capazes de equilibrar a participação.

Dois em cada dez deputados federais eleitos em 2014 se declaravam negros de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral. Enquanto, segundo o Censo 2010, 50,7% da população se considera negra. Não houve deputado que se declarou indígena ao TSE. Isso sem contar que as próprias estruturas partidárias são autoritárias e pouco democráticas, com regras que mudam ao sabor do vento, favorecendo quem está em seu controle. Isso faz com que se pareçam mais com feudos do que com instâncias de debate e construção coletiva.

Quem acredita que a solução para isso depende apenas da mobilização dos grupos excluídos ignora ou quer ignorar que muitas lideranças sociais não contam com recursos e estrutura para se viabilizar eleitoralmente. E, ao invés de criamos políticas para tanto, vamos na direção contrária.

A proposta de implantar o sistema de "distritão", elegendo os deputados os mais votados em cada estado sem considerar os votos dados à legenda e a outros candidatos do mesmo partido, leva a política ao personalismo, afastando-a ainda mais do campo das ideias. E segue na direção contrária à necessidade de aumento da representação das minorias em direitos, porque tende a dificultar a eleição de novas lideranças, da direita à esquerda, facilitando a reeleição de quem já está lá ou de pessoas famosas.

Hoje a proposta não tem apoio suficiente na Câmara para ser aprovada, então pode estar funcionando como um bode na sala para o fundo público de financiamento de campanhas – tábua de salvação dos parlamentares que estão em pânico diante da impossibilidade de obter doações de empresas e do limite que deve ser impostos a doações de pessoas físicas. Mesmo assim, pela coragem de propor algo como o "distritão" temos a devida proporção do tamanho do isolamento dos parlamentares junto à sociedade.

A criação de um fundo público, aliás, não deve ser descartada na discussão, considerando que a história mostrou que empresas não financiavam campanhas, mas alugavam candidatos. O valor sugerido para o fundo (R$ 3,6 bilhões) e o custo estimado por campanha presidencial (R$ 150 milhões), contudo, são grandes demais para deixar nas mãos das cúpulas partidárias, que é quem decidirão como os recursos serão gastos.

Entrevistei o advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser, um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, na TV UOL, nesta segunda (14). Ele lembrou que o nosso sistema eleitoral para deputados e vereadores, o proporcional, é considerado bom internacionalmente. O problema é que ele não é implementado corretamente – feito uma incrível TV que não funciona porque alguém, deliberadamente, não conecta os cabos. Para Neisser, a Alemanha é o que é não por seu sistema eleitoral distrital misto, que muitos querem importar por aqui num segundo momento, mas porque é a Alemanha – resultado de um determinado processo histórico, cultural, social, econômico, geopolítico.

Infelizmente, a discussão da Reforma Política está se resumindo a um debate sobre o sistema eleitoral. Que é importante, mas não resume tudo. Segundo Neisser, deveríamos estar discutindo formas de democratizar os partidos políticos, para além de proibir o fim das coligações (que fazem com que alguém que vote no PT ou no PSDB, por exemplo, ajude a eleger candidatos do PMDB ou do DEM, com os quais não tem identificação) ou evitar que partidos de aluguel, sem propostas, possam crescer e prosperar.

Medidas para garantir que representem ideias e falem em nome de uma base, debatendo e discutindo com ela o desenho de sociedade que desejam construir. Pode parecer um pouco longe da realidade, mas não adianta mudar a forma de escolher se não qualificarmos o próprio sistema. Se assim for, as eleições continuarão sendo uma grande injeção de benzetacil nas nádegas. Só com a dor, sem os benefícios do antibiótico.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.