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Leonardo Sakamoto

Barcelona: O que fazer quando o terrorismo substitui bombas por veículos?

Leonardo Sakamoto

17/08/2017 21h30

Vítimas do atentado realizado por uma van em Barcelona. Foto: David Armengou/EFE

Os carniceiros do Estado Islâmico assumiram a autoria do atentado terrorista realizado em Barcelona, na Espanha, na tarde desta quinta (17), quando um van em disparada sobre um calçadão matou, pelo menos, 13 pessoas e feriu mais de 100 outras. Horas depois, em Cabrils, a 120 quilômetros de Barcelona, uma mulher morreu e outros ficaram feridos após um novo ataque com um carro.

A tragédia segue o padrão estabelecido, no último ano, de atentados utilizando veículos para atropelar a população em cidades turísticas europeias, espalhando morte, pânico e medo. Nice, França (86 mortos, em julho de 2016), Berlim, Alemanha (12 mortos, em dezembro de 2016), Londres, Reino Unido (cinco mortos, em março de 2017; oito mortos, em junho de 2017; um morto, também em junho de 2017 – este último, um atentado contra muçulmanos) e Estocolmo, Suécia (quatro mortos, em abril de 2017) já foram alvo de ataques semelhantes.

Com as derrotas do Estado Islâmico no Oriente Médio, a tendência é que cresça esse tipo de ação. Que não precisa de muita preparação, nem produtos especiais, nem logística complexa, nem comando central. Não é necessário treinamento, apenas um carro e um dia cheio de gente. Em última instância, basta que a propaganda do grupo terrorista encontre eco em mentes perturbadas para que você tenha um terrorista em potencial. O objetivo é pavor e paranoia, ou seja, criar um ambiente em que a sensação de paz é impossível.

Se dificultam o acesso à pólvora e a explosivos plásticos, criam bombas a partir de produtos de limpeza. Se colocam substâncias químicas na lista de produtos controlados, explodem carros ao lado de mercados, escolas e construções. Se criam cordões de isolamento para proteger edifícios, arremessam aviões. Se aumentam a segurança nos aeroportos, atacam baladas. Se controlam a entrada de pessoas suspeitas em locais fechados, atropelam pessoas na rua, matando indiscriminadamente adultos e crianças, residentes e turistas.

Todos os atentados descritos acima escondem uma verdade incômoda. A forma como governos tem articulado sua "guerra contra o terror" não foi, não é e nunca será efetiva no seu intuito. Pelo contrário, tem contribuído em ajudar a inventividade humana a encontrar, diante de inócuas proibições, diferentes formas de massacrar em massa seus semelhantes.

Mesmo se for adotada uma das supremas ignomínias defendidas por políticos bizarros e populistas – excluir uma etnia, cidadania ou religião de determinado território sob a justificativa de segurança nacional – é bem provável que continuarão ocorrendo ataques.

Afinal, não são imigrantes ou o islã os responsáveis pelo terrorismo, mas discursos e interpretações violentos de uma crença, que apontam saídas fáceis para situações complexas, que encontram terreno fértil para crescerem e se desenvolverem. Terreno que pode ter a mesma cor de pele e nacionalidade da maioria dos moradores que são alvos de ataques. O terrorista não precisa vestir capuz e casaco de couro pesado, carregando mochilas e tendo comportamento estranho. Mas ser seu colega de trabalho, um amigo distante, vestido de roupas leves e coloridas.

Medidas de combate ao terror têm servido mais para justificar à população dos países que são alvo dos ataques que algo tem sido feito em resposta. Até porque a realidade – que tudo isso de pouco ou nada adianta – é cruel demais e até insuportável para a vida em sociedade. Assumir a verdade significa admitir uma fragilidade e uma vulnerabilidade fortes demais.

Sabemos que muitos dos países que são vítimas do terror são os mesmos que sempre o fomentaram, com suas intervenções em busca do controle de petróleo ou de inconsequentes cálculos geopolíticos. Para entender o terror, faria muito mais sentido, por exemplo, voltar os olhos ao wahabismo da Arábia Saudita. Mas como ela é aliada do Ocidente, culpa-se apenas aos açougueiros nefastos do Estado Islâmico pelo caos.

A história da humanidade é uma história de luta por valores, pelo processo de dar significado à vida e ter hegemonia e controle sobre esse significado. E a melhor chance ainda é construir um sistema internacional de respeito à dignidade e aos direitos humanos. Que valha dentro e fora dos nossos territórios.

Pois a forma mais sustentável de um povo ou uma comunidade libertarem-se do jugo da opressão religiosa ou da tirania a que estão submetidos é através da construção da consciência sobre si mesmos, seus direitos, o mundo que o cerca e a fragilidade de nossa própria existência. Nada que vem de cima para baixo ou de fora para dentro será capaz de produzir efeitos efetivos e duradouros nesse sentido. Da mesma forma, nenhuma ação pirotécnica garantirá segurança à população.

Temos falhado retumbantemente enquanto comunidade internacional.

De um lado, vai vencendo a propaganda ideológica violenta dos açougueiros erguida sobre muito ressentimento.

E, do outro, vai ganhando terrenos aqueles que desejam que seus Estados façam o que for preciso para garantir segurança. Inclusive tornando-se tão autoritários e tirânicos contra sua própria gente quanto aqueles que desejam combater.

Post atualizado às 10h40 do dia 18/08/2017 para acrescentar a morte da 14a vítima em Cabrils.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.