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Leonardo Sakamoto

Quando privatizarem a USP, quero comprar um banheiro e batizar de "Saka's"

Leonardo Sakamoto

18/04/2014 10h28

O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou sentença que determinava que a Universidade de São Paulo devolva R$ 1 milhão doados pela família do banqueiro Pedro Conde à Faculdade de Direito do Largo São Francisco. A família pediu de volta o dinheiro após protestos terem impedido que o auditório da faculdade, reformado com esses recursos, fosse batizado com o nome do falecido banqueiro. A informação sobre a decisão judicial é da coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo.

O acordo havia sido firmado em 2009, quando o atual ex-reitor, João Grandino Rodas, era diretor da Sanfran. Mas a pressão dos alunos levou a faculdade a voltar atrás. A Justiça disse na sentença de 2012 que os doadores não sabiam que era necessário o aval da congregação (conselho) para ter a "homenagem" aceita. Os parentes do falecido banqueiro também pediram indenização por danos morais, uma vez que o caso ganhou repercussão na época, abrindo o debate sobre a relação público e privado e sobre o financiamento da instituição.

A USP afirma que havia se comprometido a apresentar a proposta de batismo e não dado certeza de que isso ocorreria.

Creio que este episódio é bastante paradigmático do momento em que vive uma das mais importantes universidade do continente.

A USP é pública, não está à venda – pelo menos, ainda não, apesar de um grupo de fundações privadas aproveitarem-se do conhecimento produzido com recursos públicos, entregando migalhas em contrapartida.

Doações são vias de mão única, caso contrário configura-se uma relação comercial, de compra e venda de espaço publicitário. Se faculdades particulares vendem seus espaços de aula, com nomes de bancos, empreiteiras, restaurantes, personagens fictícios de desenhos animados, a decisão é delas. No caso da USP, é de todos nós.

Um doador pode impôr condições para a doação? Sim, claro, o dinheiro é dele.

Pode pedir que os recursos sejam usados na pesquisa contra malária. Ou em projetos de extensão para a comunidade. Ou na construção de uma biblioteca. Aí cabe à universidade de acordo com suas regras (e, na falta delas, em decisão de seus colegiados) decidir se aceita ou não as condições. E, voluntariamente, optar por uma homenagem ao doador. Não estou dizendo que intenção da família doadora foi comprar espaço na USP. Mas verificando que o resultado para a universidade acabou sendo este.

Até porque o que está em jogo não é aceitar ou não doações privadas – que são bem-vindas, mas a quem pertence um centro público de produção e difusão de conhecimento e quem faz as suas normas. O coletivo, com discussões democráticas, ou alguns iluminados, falando em nome de todos?

Isso sem contar decisões sobre como será financiada a sua produção de conhecimento, que é fundamental para o nosso desenvolvimento.

O poder público tem a obrigação constitucional de manter a universidade pública, gratuita e de qualidade. E garantir que este acesso não seja dado a alguns poucos beneficiários, como tem sido feito até hoje, mas aumente o número de vagas para abraçar, com qualidade, quem realmente não pode pagar as escorchantes mensalidades de uma boa instituição privada.

As carpideiras do mercado vão se lamuriar com isso, afirmando que o caminho mais fácil é a privatização da USP, através da cobrança de mensalidades na pós-graduação, de taxas na graduação, de venda de espaços publicitários, de produção de pesquisa voltada apenas à necessidade das empresas, em suma, de otimização da gestão educacional.

A colocação de uma placa como contrapartida obrigatória é simbólica desse processo, portanto fundamental. É um marco e, portanto, deve ser combatido.

Ora, a USP já não se tornou um burgo ao se fechar para a cidade, tempos atrás, com um muro alto em seu campus principal que impede aos contribuintes de fora de sua comunidade acadêmica terem acesso àquela enorme área verde nos finais de semana?

E, já que deu as costas à cidade fisicamente, seguir ignorando a sociedade que a mantém é apenas uma emenda.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.