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Leonardo Sakamoto

O que podemos fazer para agilizar a volta de Jesus? Esquentar o mundo, ora!

Leonardo Sakamoto

21/07/2014 16h51

O mês de junho foi o mais quente registrado em todo o mundo nos últimos 134 anos. O que isso significa? Absolutamente nada. E tudo ao mesmo tempo.

Ao mesmo tempo, você liga a televisão e, zapeando canais, descobre um debate no qual um sujeito afirma que vê com bons olhos as mudanças climáticas porque elas são sinais da vinda do Messias.

Ou seja, para ele, megatempestades, eventos extremos, extinção de espécies, desaparecimento de países-ilhas, pessoas morrendo, tudo isso faz parte de um plano maior de alguma entidade sobrenatural que brinca de Playmobil conosco. E, portanto, que temos pouca influência por ter causado tudo isso. Ou, pior: quem somos nós para irmos contra a vontade de Deus.

Bege. Fiquei bege.

Se ainda fossem aqueles pseudocientistas e seu séquito de zumbis seguidores que dizem que o clima não está mudando ou aquela parcela corporativa que ganha dinheiro carcando o mundo e para quem não existe amanhã, vá lá. Há um mínimo de racionalidade em suas ações bisonhas.

Mas dizer que o Criador (se ele existir) resolveu permitir que o mundo fosse para o brejo para cumprir interpretações questionáveis a partir de livros cheios de metáforas e, enfim, apoiar um grande cataclisma deveria ser analisado como manifestação de alguma psicopatia grave.

A declaração é da mesma escola daquela de um assessor de George W. Bush quando questionado sobre a herança deixada às próximas gerações pelos gases geradores de efeito estufa da indústria norte-americana. Não me lembro da frase exata, porque lá se vão anos, mas foi algo do tipo: "não será um problema, porque Cristo voltará antes disso".

A beleza de viver em uma sociedade em que há livre expressão de manifestações religiosas é que eles podem dizer o que quiserem. Na verdade, não podem proferir discursos de ódio, mas muitas proferem mesmo assim e dane-se quem sofre com isso.

Portanto, vou exercer o meu direito de liberdade de expressão dizendo o seguinte:

Pessoal, se quiserem acreditar na vinda ou na volta do Messias, tudo bem. Se quiserem acreditar em forças sobrenaturais determinando o seu dia a dia, tudo bem. Se quiserem dedicar sua vida a seguir sinistros códigos de conduta religiosos e terem vergonha ao trepar por prazer, tudo bem. Se quiserem se ajoelhar antes e depois de partidas em pleno gramado de futebol e justificar seu fracasso ou sucesso pela ação do sobrenatural, tudo bem. Façam o que quiserem de suas existências.

Mas, por um acaso (e infelizmente), eu também vivo neste mundo em que vocês estão vivendo. Ou seja, quando pregam que é melhor a vida na Terra ir para o vinagre por conta de superstições hereditárias, isso afeta a minha vida também. E a de seus filhos e netos, que não têm culpa de vocês viverem nesse mundo de fantasia.

Então, controlem-se. Porque fomos os responsáveis por afetar o frágil equilíbrio climático. E somos responsáveis pelo que acontecer daqui para frente. Se vamos sofrer muito ou pouco.

Porque, a única verdade palpável, real e concreta por aqui é que vamos sofrer por termos explorado o planeta além de sua capacidade.

Um renomado cientista declarou pouco antes da cúpula do clima em Copenhague que era melhor deixar os fatos tomarem seu curso natural, o mundo aquecer, refugiados ambientais quadruplicarem, cidades nos países ricos serem invadidas pelo mar, a fome surgir no centro do mundo. Só assim pessoas e países tomariam atitudes reais. Situação que, no Brasil, é vulgarmente conhecida como "a hora em que a água bate na bunda". O problema é que, se nada for feito até lá, quando chegarmos nesse ponto, talvez não haja mais bunda para salvar.

Apenas lamentar.

E rezar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.