Topo

Leonardo Sakamoto

Guia rápido para não ser massa burra de manobra nas eleições - Parte 2

Leonardo Sakamoto

09/08/2014 09h21

Regras. Todos precisamos de regras. Afinal de contas, sua ausência nos levaria ladeira abaixo direto à várzea pantanosa da barbárie, não é mesmo? Por isso mesmo, este blog vagabundo traz a segunda parte do "Guia rápido para não ser massa burra de manobra nas eleições". O guia retoma discussões já feitas neste espaço, reunidas de forma a ajudar o leitor/eleitor.

Nesta edição, trago algumas regras para cobertura eleitoral que, apesar de serem amplamente conhecidas por jornalistas, não são costumeiramente publicadas. Talvez por falta de recursos para impressão.

Mas como Moisés usaria um spam para divulgar os mandamentos se hoje vivesse (economizando as tábuas de pedra, preservando, assim, a natureza e sendo politicamente correto), um post está de bom tamanho para o registro.

As regrinhas foram reunidas em conjunto com amigos que são grandes repórteres e conhecem como ninguém o universo das redações, o funcionamento da mídia e os botecos que vendem pastel, sarapatel e buchada onde os candidatos se refestelam, ao tentar mostrar que, apesar de não parecer, são sim gente do povo.

Leia também:
Guia rápido para não ser massa burra de manobra nas eleições – Parte 1

Registre-se que é uma parte da imprensa que segue esses mandamentos, nem todo mundo. E, também se registre que eles não são monopólio de um grupo que segue determinada linha, portanto as regras valem onde couberem. Inclusive os veículos que apoiam PT, PSDB, PSB, entre outros, nas eleições. "Ah, mas o jornalismo é imparcial e ninguém apoia ninguém." Sabe de nada, inocente.

Vamos a elas:

1 – Deve existir, pelo menos, um colunista fixo livre para fazer insultos, propagar preconceitos, soltar impropérios, publicar boatos. Os textos desses colunistas não precisam ter relação com os fatos. Eles também não precisam responder por aquilo que assinam. Basta que escrevam com empáfia e mostrem comportamento arrogante diante de qualquer tentativa de diálogo.

2 – Será ignorada toda reclamação contra matérias mal apuradas, trabalho preguiçoso, reportagens parciais, cochilada no "pescoção", dados incorretos e previsões não confirmadas. No limite, serão classificadas como "grave atentado à liberdade de imprensa" ou "impostura de um leitor militante de partido de esquerda/direita".

3 – Dar-se-á imediata repercussão na internet a toda denúncia veiculada nos finais de semana, independentemente do conteúdo ter sido requentado, montado com evidentes erros de apuração ou estar em contradição com conteúdos anteriormente publicados.

4 – É terminantemente proibido dar declaração de apoio explícito a um candidato. O apoio velado, contudo, é permitido desde que em consonância com a escolha empresarial do veículo de comunicação.

5 – Nenhum candidato será verdadeiramente pressionado a se posicionar a respeito de qualquer projeto concreto de interesse dos assalariados ou dos mais pobres em entrevistas, debates, artigos ou editoriais. Temas como redução da jornada de trabalho, taxação de grandes fortunas, correção dos índices de produtividade da terra, entre outros, devem ser tratados como polêmica ou tabus.

6 – Toda reportagem longa a respeito da história, das ideias ou das propostas de candidatos não católicos deverá ressaltar suas crenças e apontar possíveis conflitos entre a religiosidade do candidato e o interesse público. Reportagens sobre candidatos católicos ou ateus que se declarem católicos estão dispensadas disso, uma vez que esta é a religião oficial do Estado laico brasileiro.

7 – Ganhará pontos o candidato que garantir ao repórter uma das seguintes aspas: "vamos analisar seriamente a redução da maioridade penal como solução para a segurança", "o meu governo vai aproveitar esse período para fazer as reformas que o Brasil precisa, cortando custos", "sou contra mudanças na política contra as drogas" e "a Anistia valeu para todos, então não devemos mexer no passado". Os pontos podem ser trocados por um close simpático e sorridente do candidato na matéria em questão ou por um Pirocóptero sabor morango.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.