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Leonardo Sakamoto

Quero um ateu declarado e convicto para presidente

Leonardo Sakamoto

09/09/2014 07h25

O Brasil teve um presidente protestante na figura do presbiteriano Café Filho, que assumiu o país por pouco mais de um ano após o suicídio de Getúlio Vargas, não tendo sido eleito para a função. O ditador Ernesto Geisel era luterano, mas também não foi eleito pelo voto popular. Seria, portanto, uma novidade um governante protestante que fosse evangélico neopentecostal, com suas liturgias da prosperidade e da cura.

Já tratei desse assunto aqui antes, mas achei válido resgatar o debate de um outro post por conta da proximidade das eleições. O número de católicos tem caído (de 63%, em 2010, para 57%, hoje, segundo o Datafolha) e o de evangélicos não apenas cresce em número (de 24% para 28%), mas também em presença na política partidária. Marina Silva, membro da Assembleia de Deus, tem boas chances de chegar à Presidência.

E, se por um lado, há parlamentares evangélicos que vociferam contra a dignidade humana (dos quais Marco Feliciano é apenas o mais caricato mas, nem de longe, o mais perigoso), há outros que atuam na defesa dos direitos das minorias, mesmo nos casos em que há conflito com interpretações hegemônicas de sua religião. Da mesma forma que ocorre com muitos católicos.

É importante fazer essa ressalva neste momento de polarização extrema e débil, em que pessoas são julgadas politicamente por sua fé.

Até porque, no fundo, isso não tem importado muito. Uma vez chegando ao poder, independentemente de sua crença, políticos atendem às demandas de grupos religiosos conservadores com vistas à chamada governabilidade ou visando às próximas eleições.

Por exemplo, o combate à homofobia através da educação avançou pouco na atual administração federal, menos por conta da pressão de deputados da bancada evangélica e mais por esse cálculo político.

Particularmente, ficarei chocado no momento em que o Brasil eleger um presidente declaradamente ateu que não precise esconder isso de seu eleitor com medo que o seu caráter seja, estupidamente, julgado por conta disso.

Tenho certeza que FHC e Dilma são, no máximo, agnósticos não-praticantes. Mas ajoelham e dizem amém. E o agnóstico Getúlio Vargas, que tomou o poder através de um golpe, instituiu o ensino religioso nas escolas públicas, em 1931, em nome da governabilidade.

O fato é que o Brasil aceita mais facilmente alguém que acredita em Deus – mesmo com uma fé diferente da sua – do que alguém que não acredita ou não tem certeza disso.

No dia em que isso ocorrer, creio que atingiremos a maturidade como democracia. Não porque ateus são melhores, longe disso. Mas porque teremos compreendido que, se o governante zelar pela dignidade e igualdade de direitos de todas as crenças, sua fé pessoal é tão importante quanto o time de futebol pelo qual torce.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.