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Leonardo Sakamoto

A morte do ambulante não foi "caso isolado". Foi "incidente padrão"

Leonardo Sakamoto

19/09/2014 18h47

O prefeito Fernando Haddad disse que o caso da morte do vendedor ambulante Carlos Augusto Braga por um policial militar durante blitz contra o comércio irregular, na capital paulista, nesta quinta (18), foi um "caso isolado". Referia-se ao contexto da Operação Delegada, um "bico" de policiais em horários de folga, pago pela prefeitura.

Creio que ele foi bastante infeliz ao utilizar o termo (a Prefeitura é bastante capenga em comunicação, diga-se de passagem). Pois o despreparo para lidar com situações-limite é o padrão na polícia de São Paulo. Como disse aqui no post sobre o caos na desocupação de um imóvel no Centro de São Paulo, nesta semana,  a polícia deve ser mais fria que o cidadão, engolindo sapos se necessário.

Deve estar preparada psicologicamente para situações assim, sabendo quando avançar, retroceder, agir sozinho, atuar em grupo. Quando sacar uma arma de fogo. E, principalmente, saber o que é tático e o que estratégico: quando deixar de fazer uma autuação por comércio irregular ou qualquer outro delito menor em detrimento a começar um tumulto que, ele próprio, não terá condições de controlar.

Como já disse aqui, policiais não nascem violentos, aprendem a ser violentos e entendem que, em sua função, não podem ser contrariados ou mesmo atacados. Nunca os métodos da ditadura foram questionados a ponto de serem trocados por uma abordagem mais humana e racional. A formação desses policiais é muito ruim e não faz frente a uma realidade democrática em que as pessoas sentem-se livres para questionar ações do Estado e seus agentes sobre prisões indevidas.

Nesse sentido, melhor se o prefeito falasse, ao invés de "caso isolado", em "incidente padrão". Pois, mesmo tendo sido acidente, não terá sido acidente. Isso já estava previsto para acontecer desde que o soldado deixou a academia. Apesar dele ter disparado, mas muita gente, que formula políticas de segurança pública e as executa, já tinha deixado a bala na agulha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.